Escolha de palavras
Cada palavra possui um significado único. Mesmo no caso de sinônimos, a escolha entre um e outro leva em consideração uma série de vontades e verdades pessoais, fato que os dicionários escondem. Há vocábulos efêmeros, que simbolizam acontecimentos momentâneos que o tempo apaga. E existe o que é sem ter um rótulo específico. O que há algum tempo tem sido denunciado pelo mau uso das redes sociais envolvendo crianças, ressurge com o nome de adultização, termo que aparece já no final dos anos 1960, sendo mais frequente nos anos 1980, mas sem constar dos dicionários até hoje. Curioso que o verbo do qual é originário não aparece em consulta à hemeroteca digital da Biblioteca Nacional. Ou seja, Aurélio e Houaiss não se interessaram por aquilo que representava a supressão criminosa da infância de crianças. Sérgio Rodrigues, na Folha de S. Paulo, é quem está atento ao jogo de palavras no qual estamos inseridos, mesmo sem o querer. Além da adultização, dia desses ele falou da origem da traição, outra palavra atual, não traindo seus princípios ao redigir a coluna (https://www1.folha.uol.com.br/colunas/sergio-rodrigues/2025/08/trairagem-e-sabor-de-sorvete-da-moda.shtml). Muito bom! Sugeri estender a significância para a tradução, que pode até não ter a mesma origem, mas tem a ver com transpor uma palavra para outra e lembra o ditado italiano (traduttore traditore), muito importante quando a subserviência aos EUA leva a traduzir - e trair - os mandos e desmandos de lá.
Outro dia, criticavam as palavras escolhidas como xingamentos usando animais. Asno, burro, vaca, piranha, jararaca, e por aí vai. Mas a patrulha limita-se à ignorância e ao furor de cada um. Canalha, por exemplo, ficou fora da lista, mas sua origem é do cão, um bom animal, julgo eu. Os gatunos têm um nível ofensivo um pouco menor, mas desrespeitam a felinicidade (https://adilson3paragrafos.blogspot.com/2025/08/felinicidade.html). Outro conjunto perigoso com o qual lidar é o de gentílicos, e condeno-me, desde já, pelo uso que faço a seguir. Se os extremistas de direita não são gentis, os gentílicos dão o tom. Pode ser o gentílico gramatical, de designação de origem, ou também o do gentio não civilizado, a critério do leitor e de seus conceitos e preconceitos. Assim, a espanhola presa pela polícia italiana é símbolo dos anti-patriotas brasileiros que enaltecem o governo norte-americano por querer transformar nosso país em enredo de filme mexicano. Resgatam os princípios do partido alemão que causou destruição ao povo europeu e levou à morte de milhões de judeus, mas hoje subvertem a história para confundir a sina israelense com o morticínio palestino. A coisa parece ficar russa quando, na verdade, o que se busca é um negócio chinês que seja bom para todas as partes.
MUITO BOA REFLEXAO
ResponderExcluirNOEDIR STOLF PROF EMERITO E SENIOR FMUSP
Chegueiba conclusã de a palavra é um mistério e um perigo se for usada erradamente.Memo essa palavra que usei agora me trouxe uma imensidão de. Julgamentos
ResponderExcluirMuito boas reflexões. Tenho uma pesquisa sobre apelidos, que trata um pouco dessas questões, mas ainda inédita.
ResponderExcluir"Ai, palavras, ai, palavras,
ResponderExcluirque estranha potência a vossa!
Todo o sentido da vida
principia à vossa porta;
o mel do amor cristaliza
seu perfume em vossa rosa;
sois o sonho e sois a audácia,
calúnia, fúria, derrota..."
Cecília Meireles Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1985 (fragmento).
Nota: Trecho do poema ROMANCE DAS PALAVRAS AÉREAS
Excelente!! Você consegue brincar com as palavras e ideias.(humor fino), ir a fundo e nos levar a boas reflexões. Adorei esse seu texto!
ResponderExcluirHaja vista as letras das musicas que cantavamos inocentemente e hoje é preconceito racial, gênero, idade...
ResponderExcluirMuito interessante e inteligente seu texto. Parabéns! Nós, poetas, gostamos também de brincar com as palavras e mesmo sabendo que elas podem ser perigosas preferimos dar-lhes um sentido mais voltado para o lúdico, às vezes até... irreal.
ResponderExcluirMaria Felim