Química aos pedaços
Surpreendi-me com o desconhecimento do repórter da rádio CBN Campinas quanto à palavra cavaco. Um caminhão carregado deles tombou na estrada, bloqueou todas as pistas de rodagem e espalhou a carga. Caos matinal na cidade. Mas o repórter tentou achar sinônimos com os quais tivesse mais familiaridade, pois cavaco era-lhe estranho. Lascas de madeira foi o termo encontrado. Cavaco não. Consultei outros ouvintes e parece que cavaco não é mesmo um termo comum. Associam o diminutivo ao instrumento musical, mas não aos pedaços resultantes do corte de toras de madeira, que serão usados na polpação para obter papel ao final do processo. Papel de múltiplos usos, até para escrever cartas, não podemos deixar de registrar. Foi com uma dessas ao jornal que iniciei minha trajetória de missivista contumaz e foi com outra, de amor, que a cultura lorenense me descobriu. Até cartas manuscritas mantêm seu espaço, diminuto, mas existente (https://correio.rac.com.br/campinasermc/habito-de-escrever-cartas-sobrevive-as-redes-sociais-1.1676339). Estaria eu tão envolvido na ciência da madeira e sua transformação no instrumento de retenção de informação mais comum do século passado que me passou a pouca familiaridade dos outros com a palavra? Insensibilidade química a minha, concluo.
Cortar a matéria em pedaços é princípio básico das interações químicas, pois, quanto maior a superfície de contato, maior será a velocidade de reação. Será mais rápida, dizemos no popular, ainda que esse conceito de velocidade aplicado à química é diferente daquele referente ao deslocamento no espaço, do qual a física trata. Emprestamos mutuamente alguns termos para que físicos e químicos se critiquem, se contradigam e convivam. Pulverizar um material torna-o mais reativo do que se estiver em pedaço único, compacto. Não por menos, boa parte dos ingredientes usados na cozinha está na forma de pó ou de pequenos grânulos. Culinária é a química a serviço do estômago, e comandar fogos, fornos e panelas está no sangue intelectual de todos nós químicos. Ser um bom cozinheiro não é apenas saber obter drogas sintéticas à la Walter White, do seriado Breaking Bad (https://pt.wikipedia.org/wiki/Breaking_Bad). Preâmbulo reacional feito para reafirmar que 18 de junho foi o nosso dia, o dos Químicos, aqueles que transformam o país e o mundo. Sim, sabemos todos, cientistas ou não, que somente com a Química o Brasil vai reagir.
Na busca por efemérides, não podemos esquecer que a mesma data da Química é a da lembrança da morte de José Saramago, o mago das palavras, falecido há 15 anos (leiam O Evangelho Segundo Jesus Cristo). Também um certo ex-presidente de um partido quase extinto fez aniversário no dia (leiam seus Diários da Presidência), mesmo dia de nascimento de Saninha - Anna Emília Ribeiro da Cunha - a esposa de Euclydes da Cunha (sim, leiam Os Sertões, mas podem começar com Contrastes e Confrontos). Pronto, o desafio está posto: falar de química e Euclydes, política e outros escritores no mesmo parágrafo. Forcei a interlocução, é claro, mas ficam as fontes para confirmação, mesmo as rudimentares. A Química não pode - e nem outra ciência - ser lançada aos pedaços por aí como se não fosse algo coeso, baseado em princípios. Mesmo critério se aplica à informação de forma geral. Consultem as fontes - faço o alerta -, especialmente em face de filmes falsos que são divulgados sem quaisquer escrúpulos pelas redes sociais, mesmo quando assim denunciados. Restaria a honestidade intelectual de quem o faz, mas isso é raro, extremamente raro.
Adilson,eu sou do tempo do "fogão a lenha".
ResponderExcluirPara acender o fogo usava- se os cavacos de madeira.
Eis porque, cavaco para mim é um termo familiar.
O seu texto é muito rico de informações, mescla química, biologia, língua portuguesa e literatura.
Encaixa as relações humanas, emoções, política e sociedade.
Aprendi muito lendo o texto do seu blog.
Vemos que a química nos ensina que tudo pode virar pó ou o pó virar algo.
Espero seu próximo blog com outro magnífico texto.
Parabéns.
*Cidinha*