É Praga!
A capital da República Tcheca é a mais barata para se viajar e fazer turismo, segundo avaliações seguras. Acabei de voltar de lá, participando de um congresso científico na área de química de polissacarídeos. Vida de cientista é assim: consegue turistar um pouco quando concilia o passeio com atividades profissionais. Sem mala despachada, devido ao preço, dormi em quarto que não era hotel, confortável, sentindo-me quase o mochileiro de décadas atrás. Quatro dias, suficientes para conhecer um pouco mais da ciência mundo afora, levantar ideias e comentários para minhas colunas nos jornais e adquirir cultura, a mais nobre das criações humanas. A gota não me permitiu desfrutar das excelentes cervejas locais. O alupurinol que combate o ácido úrico causa alergia, então resta-me o consolo do vinho. Muito bom vinho. O caminhar pela cidade é o melhor passeio, com ruas em arquitetura centenária e milenar formando um museu de coloridas paredes, janelas, portais, decorações, histórias. A cidade se esconde durante o dia e, paradoxalmente, sai das sombras para revelar sua plena beleza à noite. Iluminação predial que ainda não aprendemos a fazer aqui, opinião minha.
Vi as pontes sobre o Moldava, os castelos que despontam em toda a paisagem, os bondes elétricos que circulam por toda a cidade com intervalos de minutos, as igrejas, mesquitas e outros pontos de descanso. Sim, meia hora sentado no interior do templo serve para diminuir o latejar dos joelhos e observar os penitentes em oração e registro fotográfico do bonito lustre que pende do teto decorado com motivos sacros. Chuva? Quase constante, o que não impede os passeios. Nosso sol ininterrupto criou um preconceito com dias escuros e molhados, diminuindo nossa saída às ruas simplesmente porque chove. Talvez por isso investimos pouco na iluminação noturna e não temos a preocupação de enterrar os fios por segurança e para revelar a arquitetura. Durante a viagem, todos os transeuntes ligados em suas telas para guiar a realidade usando o mundo virtual. Em 1984, George Orwell previu o grande irmão em enormes telas, coletivas. A individualidade subverteu a ficção. Parte das telas substituía os mapas para seguir o caminho; o meu mapa, colorido, chamava a atenção e mantinha a utilidade, quase borrado pelas gotas de chuva. O resto do tempo de uso dos celulares e tablets era para entretenimento e apenas no aeroporto, na sala de embarque, visualizei um contemporâneo com um livro na mão.
Nos bondes e ônibus de Praga, pelo contrário, o impresso em papel estava mais frequente, em mãos de jovens. Um recorte de alguns minutos de observação não serve estatisticamente, já deixo bem claro para os que conseguem ver a sua concepção de mundo como a única existente. Meu livro ainda estava no plástico quando o levei na mochila, mas logo comecei a leitura de Juventude sem Deus, de Ödön von Horváth, terminada no voo de volta. Leitura imprescindível para entender os tempos golpistas em que vivemos. Quando morei na Alemanha, de 1992 a 1994, havia a euforia, cara, da reunificação com a queda do muro de Berlim, mas sem superar as agruras do nazismo, ainda presente em tímidas manifestações. Tímidas que levaram, hoje, à ascensão de partidos fascistas por toda a Europa. A obra de Horváth conta a vida de um professor de História que tinha de conviver com posturas racistas e preconceituosas dos alunos e da "nova" sociedade que estava sendo construída. Nada mais atual. A praga dos atentados continua em nosso país quando o belo filme Ainda estou aqui mostra um Brasil que não pode ser esquecido pelas gerações presentes que acreditam em "ditadura democrática".
Participar de um congresso científico na "cidade dos cem pináculos" não é para qualquer um. Parabéns! Obrigada por compartilhar conosco essa sua importante experiência.
ResponderExcluirMaria Felim
Minha irmã conseguiu levar minha mãe a Praga, em 1999. Depois ficaram duas semanas em Paris. Curioso que, tendo traduzido dezenas de obras do francês, Ruth jamais tinha visitado aquele país. Foi memorável!
ResponderExcluirE apreciei muito as suas observações sobre o lugar, hábitos e estrutura. Joaquim Maria
ResponderExcluirViajar e conhecer outras culturas me fascina também e, mesmo a trabalho, como foi o seu caso é muito gratificante. Obrigada por compartilhar!
ResponderExcluirAdilson , uma narrativa gostosa de ler. Abraços!
ResponderExcluirEm 2025 o Congresso Mundial de Esperanto vai acontecer na República Tcheca. Devo ir, então? (PSViana)
ResponderExcluirEstive em Praga mais de uma vez. Alem das maravilhas da cidade e das cervejas, assisti o Teatro Negro. Imperdível,
ResponderExcluirQuanndo trabalhava em montagens de feiras internacionais conheci metade do mundo mas nso conheci Praga que pela sua narração deve mesmo ser linda
ResponderExcluirAmei sua narrativa. Já fui a Praga umas 4 vezes. É uma cidade linda, com vida própria e que deve ser descoberta a pé. Parabéns. Abraço.
ResponderExcluirSó faltaram as fotos de Praga para elucidar a cultura, a mais nobre das criações humanas. Parabens.
ResponderExcluirObrigado pela sugestão de leitura, Adilson!
ResponderExcluirParabéns pela sua participação em Congresso Científico em Praga.
ResponderExcluirTambém visitei Praga o ano passado e amei o passeio e a cidade . E ainda tive a alegria de visitar a Igreja do Menino Jesus de Praga, que sou devota. Tive a grata surpresa de ver no altar , ao lado, a imagem de Nossa Senhora Aparecida, em Praga !
Magda Helena G. Teixeira.
Bonito demais!
ResponderExcluirNobre Confreiro apreciei sua narrativa solta e perspicaz. Deu vontade de dar um Giro por Praga. Sem gota
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