Sonhos

Vivemos um carnaval de sonhos, não apenas pela possibilidade real de ganharmos um Oscar, de forma direta, pela primeira vez, mas também por outros acontecimentos políticos que podem ser concretizados. Esperemos. Digo de forma direta porque já ganhamos o Oscar uma vez com Orfeu Negro (também chamado de Orfeu do Carnaval), mas a titularidade de prêmio ficou com a França, uma vez que a produção foi deles. Quem paga é dono, não importa se por um lote de terra ou por uma obra cinematográfica. O filme é de 1959, ganhou o Oscar em 1960, e foi dirigido por Marcel Camus. Ele é baseado na peça teatral Orfeu da Conceição, de Vinícius de Moraes, e totalmente falado na versão tropical sul-americana da língua de Camões. É importante localizar bem as coisas, pois os mapas geográficos estão ficando obsoletos, à mercê de doidivanas que comandam países poderosos. A Europa uma vez já foi dividida entre o Terceiro Reich e o resto. A América volta a seguir um rumo extremamente perigoso, um pesadelo para o mundo todo. Espero que o ufanismo de meus desejos em relação ao filme, usando os verbos na primeira pessoal do plural, não sejam confundidos com tais conflitos.

O Brasil já ganhou com o Oscar deste ano por emplacar a indicação, pela primeira vez, de uma produção na categoria de melhor filme sem ser o de língua estrangeira para os falantes do idioma de Shakespeare. Nesse caso, a língua nativa continua a ser a mesma falada naquele país colonizado pelos súditos do Rei (ou da Rainha, dependendo da década) que nem nome próprio possui e quer agregar para si o nome das águas que o banham ao sul. No domingo, a expectativa será grande, mas espero que não reste o sentimento de frustração, caso os produtores de Ainda estou aqui ou Fernanda Torres não subam ao palco para pegar a estatueta. Já somos vencedores, ainda que a torcida fascista do contra seja grande, muito grande. Precisamos realizar outro sonho, o da solução dos problemas com nosso passado. Sim, a escravidão foi longa e nefasta. Também sim, a ditadura deixou marcas até agora insanáveis por não enfrentarmos o fato de que os militares usurparam o poder e continuam a fazer lavagem cerebral dentro dos quartéis e de suas escolas de formação de oficiais.

A liberdade ainda é um sonho. Sonhemos. A poesia é a realidade do poeta, o sonho a alimenta, mas vemos que nossos neurônios vivem poluídos e bloqueados porque nosso sono é ruim. Não apenas as telas substituíram as imagens oníricas que deveriam saciar os desejos mais recônditos de nossa mente, como a própria qualidade do dormir está comprometida. Assim concluem os neurocientistas e foi com tristeza que li o que Sidarta Ribeiro nos revelou ao afirmar que "aos poucos, a vida moderna está matando os sonhos", em entrevista a jornal da capital paulistana, cidade que continua sendo cosmopolita, com colônias que vêm de todas partes do mundo, incluindo os que falam inglês, alemão, japonês e creio que até javanês (correto, Lima Barreto?). Sem devanear muito, reflito um pouco mais no sobre o porquê temos um mundo iluminado, sem iluminação nem para ver o céu noturno. Se não dormimos bem, como sonhar? Por isso o slow down deve substituir o speed up, perdoando o colonialismo linguístico. Ou o já batido 'menos é mais' em relação ao produtivismo deletério da sociedade que somente busca resultados e não a valorização do caminho para se chegar lá. O sonho pode não ser apenas um pesadelo.

Comentários

  1. Estão comparando a premiação com a Copa do Mundo. Então, não será novidade, " nadar e morrer na praia".

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  2. Excelente texto, Adilson, adorei. Parabéns, abs Kátia

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  3. Um bom modo de combater o imperialismo cultural avassalador, nos nossos dias, é adotar a Língua Internacional neutra Esperanto, bem como a cultura da tolerância e do respeito que os Esperantistas praticam. (PSViana)

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