Condutores

Virgílio conduziu Dante pelo inferno até o paraíso. Viagens profundas e um bom livro ficam melhores com um guia. Leandro Karnal fez isso com Hamlet, de William Shakespeare, em sua obra "O que aprendi com Hamlet", de 2018. A história do príncipe dinamarquês como um todo sabemos, mas ela continua a nos intrigar e instigar a novas leituras e interpretações. Em duas viagens de ônibus e mais uma espera no dentista e outra no shopping consegui concluir o livro que não estava na minha lista principal de leituras. Karnal foi meu Virgílio sem saber na busca pelo autoconhecimento e felicidade, seja lá o que isso signifique. A química aparece em três momentos significativos nessas obras. Sim, são duas obras em uma, o texto do Bardo e o de Leandro. Ele detalha a esponja orgânica de antigamente, de baixa durabilidade que era usada praticamente uma única vez, tal qual o papel higiênico de hoje. E cita a mudança que houve com a introdução de esponjas feitas de material plástico, muito mais duráveis. A famigerada química do amor também lá está, por várias vezes criticada e questionada neste espaço (https://adilson3paragrafos.blogspot.com/2024/06/paixao-quimica.html), e também a natureza atômica da matéria, quando a morte é dissecada na peça. Somos todos pó de estrelas, conclusão chã e imediata.

Um guia torna as experiências mais completas e únicas. Apreciar uma obra de arte sabendo algo a mais do que ela trata e, depois da experiência, revivenciá-la aumenta a assimilação dos momentos, aumenta e aprimora a cultura. Fotografias tiradas em viagens, reveladas depois, tinham essa missão. Com as ferramentas internéticas de hoje podemos saber das coisas antes de vê-las. Já não sei se são bons guias, tirando a expectativa e zerando a dose de descoberta que uma dessas incursões pode propiciar. Reduz os riscos e a prosa que se desenvolve ao contar as histórias dos momentos e possíveis perrengues vividos. Hoje eu não arriscaria conduzir meu finado colega Wilson Sueoka pelas trilhas da ilha de Santa Catarina, onde fica Florianópolis, para chegar na deserta Praia dos Naufragados, de noite, no escuro, mochila e barraca nas costas, e apenas "tateando" com os pés o caminho esburacado e com corredeiras à beira de um abismo. Geografia que viemos a saber somente na volta, de dia, morrendo de medo e pensando o quanto somos inconsequentes quando a ignorância impera! A trilha coroava a ida até de lá de carona em caminhões, pedida à beira de estradas.

"Non ducor duco", não sou conduzido, conduzo. Esse é o lema do brasão da cidade de São Paulo, desenhado por Guilherme de Almeida, em concurso realizado em 1916. O poeta campineiro fez de quase tudo na vida e os 55 anos de sua morte são relembrados neste 11 de julho, coincidentemente dia do nascimento do maestro Carlos Gomes. São Paulo, o estado, pode ser visto com grande arrogância pelos habitantes dos demais entes federados e, segundo pesquisa recente, parece ser isso mesmo. No 9 de Julho comemoramos a Revolução Constitucionalista de 1932, em que também Guilherme de Almeida teve participação significativa, tanto no combate, quanto nas poesias e canções elaboradas. Os paulistas foram à guerra por serem contrários ao governo de Getúlio Vargas e reivindicavam uma nova constituição. Conseguiram depois, a história foi criando mitos, vítimas e vilões e fato é que um resultado primoroso da revolta foi a criação da Universidade de São Paulo - a USP - em 1934. Ainda é a melhor universidade brasileira e a que conduz a pesquisa científica no país, em termos de números, de projetos, de articulações com todas as demais instituições. Sim, para terminarmos com efemérides, dia 8 de julho foi o dia da Ciência e do Pesquisador, em homenagem à criação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, e hoje, também um 11 de julho, é o centenário do físico César Lattes, nosso quase Nobel.

Comentários

  1. Também uma data tambem interessante é 3 de julho, dia do apóstolo São Tomé, que só poderia ver para crer. Hoje, com IA, nem o que vemos podemos crer.

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  2. E viva o pesquisador, os guias que nos tiram da ignorância. Seu texto é excelente, como sempre, parabéns!

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