Paixão química
Amar é verbo corrosivo, transformador. Daí, talvez, venha a química associada ao amor, uma ciência que transforma a matéria, animando corações e intelectos afetivos. Na troca de elétrons, o equilíbrio é alcançado, mas há sempre quem perde e quem ganha. Partículas em movimento são o que nos define, portanto. Antes de ser uma exclusiva declaração de amor, pois é Dia dos Namorados, lembro que o dia dos profissionais da Química se aproxima e é comemorado em 18 de junho, quando outras efemérides serão conjuntamente festejadas. Já fiz algumas ponderações quanto ao que considero equívoco em atrelar a química exclusivamente à atração, uma vez que é a repulsão entre partículas que propicia a existência da matéria. Somos o que somos porque cargas com sinais iguais se repelem. Se tudo fosse atração, o colapso aconteceria e todo o universo voltaria a se resumir ao que foi na origem: um ponto. Nos primórdios deste blog, a falácia foi objeto de considerações (https://adilson3paragrafos.blogspot.com/2018/06/quimica-com-o-volei.html). Mas a matéria continua atraindo a matéria, na razão direta de suas massas e na razão inversa do quadrado da distância que as separam. Longe é difícil amar.
O amor em filmes água-com-açúcar beira a frustração da perda de tempo em vê-los. Mas até que o brasileiro "Evidências do Amor" (2023, dirigido por Pedro Antônio Paes), visto na tv, não foi ruim, ou seja, não fiquei com tal sensação. Sandy e Fábio Porchat são os protagonistas e, digamos, "par romântico", em trama com muitos clichês, mas assim tratados pelo próprio enredo, o que dá ênfase à ironia para realçar a comédia. Um filme baseado na música de sucesso e com a filha do Chitãozinho & Xororó (risos!). O mote continua a ser viagem no tempo - ou lembranças temporais -, parte ficcional que lembra, com certa distância, outro brasileiro, bem melhor, "O Homem do Futuro" (2011, dirigido por Cláudio Torres), com Wagner Moura e Alline Moraes. A música "Evidências", creio eu, faz parte do que se chama "sertanejo universitário", expressão contraditória em termos, pelo menos no tempo em que estudei, pois, ou seria universitário ou seria sertanejo. Ambos, impossível. A diferenciação entre sertanejo e caipira, sim, já vinha sendo consolidada. Hoje a música caipira é também chamada raiz ou regional, indicando o uso de composições e tramas afeitos à vida no campo e sem a introdução de instrumentos eletrônicos nas execuções. A eletrônica é uma forma de conduzir elétrons, pois.
Como tudo é difuso, feito as nuvens de partículas que se movem ao redor do núcleo atômico, rótulos parecem não mais definir as coisas, mas não vou dialogar com Hannah Arendt nessa seara, pois ela já me convenceu. Hoje temos desde o pobre de direita até o fascista do bem; o religioso que faz o diabo para convencer seus fiéis, até o ateu que, cristãmente, defende uma sociedade mais justa para todos. Os lados se invertem, feito um espelho temporal, do tipo que Lewis Carroll nos guiou pelo mundo de Alice. Parece que precisamos de repetições para forçar um aprendizado histórico que nunca chega. E não é apenas questão de aumentar a frequência no tempo ou no espaço. Temos de forçar uma maior repetição nas circunstâncias. Se antes a arenga ficava entre atribuir ao adjetivo "piscina" o verde ou o azul, já existe a cor "vermelho piscina", com a conotação da cor do olho ou do cabelo depois da influência da piscina. Na verdade, é o resultado do efeito do cloro com água em nosso corpo, mais um pouquinho de química para os amantes da mais bela das ciências.
Que texto gostoso de ler! É isto que dá a junção da mente de um cientista com a alma de um poeta! Inteligência, cultura, facilidade de lidar com nossa bela lingua portuguesa, sentimento e uma pitadinha de humor. Parabéns Adilson.
ResponderExcluirMaria Felim
Belíssimo texto, Adilson!!! E bastante denso! Parabéns!
ResponderExcluirGostei muito dos parágrafos, principalmente a explicação como funciona a química no amor.
ResponderExcluirEsse assunto muito interessante!
Parabéns.
Magda Helena.
Química perfeita entre Ciência e Literatura, nesse texto que prende a atenção do começo ao fim!
ResponderExcluirSó quem.sabe sentir sabe escrever com paizão
ResponderExcluirMeu nome é Rhuan, tive a oportunidade de conhecer o senhor a alguns anos, além de compartilharmos a semana de aniversário, o curso de formação profissional e a paixão por um letrista e musico brasileiro com apelido de Chico, tive o prazer de amadurecer e observar a qualidade dos seus textos e das discussões levantadas. Muito obrigado pelo exemplo de pessoa, intelectual, pai e cidadão honesto. Abraços e daqui, vou continuar a acompanhar os seus conteúdos.
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