Diplomacia no exército fantasma

A tela em branco contrasta com o papel escuro e repete a ausência de ideias. Um fantasma que paira ao lado de quem retrata em palavras o que pensa. Dizem - e eu já disse também - que copiar trechos antigos pode ajudar nesse processo de travamento. Os meus cadernos de capa dura, no entanto, ficam cada vez mais vazios. O tempo passa carregando inusitados e pitorescos aspectos e fatos cotidianos que deveriam ser lá registrados. Quanto mais tempo presente, mais passivo nos cadernos. Ou seja, o exército de procrastinação batalha junto à cegueira branca, abusando do contraste com Saramago. Este blog contribui para o atraso, retirando tempo precioso da escrita à mão e roubando assuntos que poderiam estar lá escondidos. Ninguém lerá os cadernos, e o blog tem sua centena cativa de leitores. Minha indecifrável letra não será traduzida por especialistas, pois não haverá interesse em garranchos deixados por um incógnito. Não é um Lima Barreto ou Euclydes da Cunha dos quais todos rabiscos deixados para testar se a pena ou o lápis estavam funcionando bem são tidos como marcas importantes da criação literária do escritor.

Depois de castigar algumas palavras, fui ler o que houve de resgates mais interessantes, históricos ou não, no uso do vocabulário. Deparo com uma singular matéria sobre o 'Exército Fantasma' que enganou Hitler e foi condecorado nos Estados Unidos. Tal exército fictício foi fundamental para os Aliados na Segunda Guerra Mundial, mas não disparou um tiro porque era formado por tanques e armamentos infláveis, uma brincadeira no parque. Ficavam em locais estratégicos para o inimigo ver e ponderar mudança de estratégia porque perderia o embate no enfrentamento com aquele poderio todo. Nada muito diferente de quem propala um monte de asneiras pela internet hoje, mas naquele tempo a criatividade tinha de ser mais aprimorada. Porém, em minhas recordações, a matraca usada na Revolução Constitucionalista de 1932 tinha papel semelhante de dissimulação, não tão amplo e sofisticado como o Exército Fantasma, mas anterior à Segunda Guerra Mundial. Tal fato foi até relatado para o jornal que publicou a matéria recentemente, mas foi ignorado, vindo a pousar aqui neste espaço virtual, etéreo.

Outra dessas buscas aterrissou na coluna do escritor Sérgio Rodrigues, contumaz alvo de questionamentos meus e exímio articulador da etimologia, da origem das palavras e de seu bom ou mau uso. Um exemplo de minha parte está aqui: https://adilson3paragrafos.blogspot.com/2023/10/jogos-de-palavras.html. Sérgio, no entanto, se equivocou em pelo menos duas décadas quanto ao uso da palavra 'diplomacia' no Brasil, informando ele que foi em 1830 para frente. A Gazeta do Rio de Janeiro já registrava o vocábulo em 1810. Não aprofundei a pesquisa na hemeroteca digital da Biblioteca Nacional, mas parece que o registro original é ainda anterior. Ele até me respondeu no Twitter, convertido no monotônico X agora, argumentando que etimólogos padrão não se atêm ao que foi registrado em jornais, mas na literatura. Tenho dúvidas, pois é na comunicação direta que a língua se faz e a literatura vem por elaboração posterior. Bem, fiz apenas, diplomaticamente, uma correção. Que ninguém precise sair fugindo para o Setor de Embaixadas Sul 805 devido a isso!

Comentários

  1. Como assim, etimologistas não se atém ao que foi registrado em jornais? Lamento a falta de esportividade na "saída pela tangente".
    Afinal, jornais são infinitamente mais populares do que livros (ou eram), e devem, sim, ser levados em conta na pesquisa da origem dos vocábulos.
    É o mesmo que certos acadêmicos de hoje que ignoram manuscritos depositados em arquivos , como se apenas itens bibliográficos publicados fossem publicados por humanos e os manuscritos, por alienigenas obscuros.
    Você tem plena razão, Adilson. Grande abraço.
    (Celso do Lago Paiva, Santana do Riacho, Minas Gerais)


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