Literatura da morte

Os comentários às postagens neste blog não são moderados. Essa foi uma prerrogativa desde o início, em outro endereço, que já vai completando seis anos. Apenas quando sinto que há ofensa, eu os removo. Isso aconteceu duas vezes. O blog é opinativo, mais próximo à crônica do que à ficção, mas não me furto de alguns exageros, elisões e outras figuras da retórica para falar com palavras escritas. Palavras que julgo serem bem vivas, mesmo quando carregam alguma morbidez. Quanto aos comentários, é notório quando adentram a fértil imaginação, confundindo opinião ruim com ficção mediana. Seriam hilários, não fossem perigosos por conterem apologia a crimes e pregarem uma narrativa da negação da realidade como se verdade fossem. Tornam-se mortais quando não devidamente filtrados. Filtrados por quem os lê, não censurados pelo blogueiro. Continuam sendo opiniões? Bem, até certo ponto. Lamento apenas que esses autores não consigam enxergar que estão sendo manobrados por interesses escusos ou deles fazem parte.

Uma temporada no inferno, de Henrique Marques Samyn: leitura concluída, literatura e loucura absorvidas. Lembro que a obra foi recomendada pela revista piauí, como mencionei antes (https://adilson3paragrafos.blogspot.com/2024/01/leituras-e-correcoes.html). Para quem não leu Lima Barreto, fica parecendo um livro muito original. Para quem já o leu, fica a dúvida do quanto ali são meras citações e o quanto é obra do Henrique. Não havia pensado em reescrever Lima Barreto como o Henrique fez, mesmo lendo quase tudo que Lima escreveu por conta do meu interesse na constante e quase eterna busca por seus inéditos. Sim, há muita coisa dele ainda desconhecida, parte significativa já levantada por nós, Felipe Rissato e eu. Lima Barreto era mais vida do que Henrique quis expressar em sua reescrita sobre a quase morte no manicômio, avalio eu. Mas a morte sempre esteve presente em sua vida conturbada, periférica e dependente da parati. Um bom livro, que se vence rápido pelo tamanho conciso.

A morte chega aos literatos também. Lilly Magaflor se chamava no mundo dos mortais Lígia Magalhães, natural de Goiânia e residente em Curitiba. Faleceu em 23 de janeiro último, uma jovem que amava poesia. As informações vieram do Facebook, um tanto desconexas tanto pela natureza da rede (anti)social quanto do fato em si: uma internação devido a uma infecção que evoluiu muito mal. Na pandemia, ela gravava todo dia um poema e compartilhava. Sempre enviava uma declamação sensível sobre versos seus e de outros. Certa vez interagi com ela escrevendo alguns versos meus sobre Os Ombros Suportam o Mundo, de Carlos Drummond de Andrade que ela recitara: Linda poesia / retrato ideal / para o dia / de novo anormal // Ainda bem / que no meio do caminho / havia um Drummond / para suportar o que vem, / não estamos sozinhos: / seguir poesia como um dom. Jovem ou não, tinha a única exigência para morrer, ou seja, estar viva. Apenas os vivos morrem. Tentemos, ao menos, manter sua lembrança e sua obra vivas. Já estava concluída a postagem quando recebi a triste notícia da morte da colega Acadêmica Myrthes Mazza Masiero. A saúde já não lhe ia bem, sabíamos, mas a ausência já está sendo sentida. Foi ela quem me iniciou no mundo da trova.

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