Transformando orgulhos e acidentes
O buraco levou pneus e rodas, a prefeitura se omite. Vida urbana que segue em solavancos e prejuízos. O susto foi muito, a irritação o acompanhou, mas, ao final, sobra a resignação pela ausência de danos físicos. O dentista ficou para depois, experimentos científicos também, outro arranjo orçamentário deve ser feito, diminuindo alguma guloseima de fim de semana. O acidente, portanto, foi saudável, controlando as calorias entrantes para conter a obesidade pandêmica. Os mecânicos se impressionam que o veículo necessita de mais cuidados, uma lavagem, o motor já com prazo de validade ultrapassado e tento convencê-los de que pouco me sensibiliza a devoção ao volante que muitos possuem. Segurança e conforto sim, com certeza. Mas gostar de carros e de dirigir não é verbo que eu consiga conjugar. Crônica improvável de um acidente certo, assim poderia ser o título representativo, caso o objetivo fosse apenas impressionar leitores. Mas a crônica da realidade é angustiante, e um buraco no meio do caminho é quase poético.
A postagem foi iniciada no Bloomsday, mas sem sucesso de término. O protagonista de Ulisses, livro de James Joyce, vive sua odisseia em 16 de junho de 1904 e a data passou a ser um evento cultural oficial em vários países, começando pela Irlanda. Acompanhei pela internet o quão importante é exortarmos símbolos literários. A Academia Campineira de Letras e Artes, lembrou-nos seu presidente, faz menção e homenagem à efeméride há anos, restrita agora pela ausência de eventos presenciais. Ficará registrado aqui o dia devido ao artifício de publicar este texto e reverter para o rascunho... Sim, temos de enganar o cibernético para deixar de ser tão hermético. Reconheço a artimanha, confesso. O dia em que se passa um dos icônicos livros da modernidade, Joyce e seu Ulisses de interminável leitura. Quem o enfrentou, tem-no por toda a vida, indissociável que é da formação da pessoa leitora. Vencer aquelas 600-900 páginas (dependendo da edição) transforma-se em submissão a seu conteúdo. Outras literaturas são também icônicas, clássicas, e cada qual corresponde a um tijolo da muralha de constituição do ser em formação. O acabamento pode ser moldado por escolhas individuais, mas os alicerces não se diferenciam tanto.
Emendando um dia com outro, chegamos ao mais lindo deles, o 18 de junho, a real data da postagem. Atrasada pelos eventos desencadeados por um reles buraco, acomodada pela acomodação pandêmica, redundância permitida. Aqui lembramos de José Saramago e os onze anos de sua morte. Outra literatura fundamental, ainda que bem moderna e mais próxima devido à ausência de tradução. O centenário de Saramago será em 2022 e vale a visita ao site de sua Fundação para conhecer sua obra e a programação das festividades (https://www.josesaramago.org/). Um ano que será curto para acomodar tantas outras efemérides, centenárias ou não, da Semana de Arte Moderna à morte de Lima Barreto, da tal da Independência à Volta da Racionalidade Democrática. O mês de junho carrega outras festividades, regionais e sociais. O orgulho junino foi tema do Lugar de Fala da revista CULT e fui presenteado com minha publicação: https://revistacult.uol.com.br/home/uma-excelencia-sexual/. E, por fim, também hoje festejamos o Dia do Profissional da Química. Temos um dia só para nós, que bacana! Transformemos nossas vidas com reagentes e palavras. Um mundo melhor, mais termodinamicamente estável ainda que a entropia não nos deixe tranquilos e em sossego.
Adilson, como sempre, escrevendo divinamente. Parabéns pelo Blog dos Três Parágrafos.
ResponderExcluirE viva um mundo melhor, termodinamicamente estável com reagentes e palavras .
Abraços . Magda Helena.
Adilson, fico impressionada com a diversidade de assuntos que você consegue abordar de maneira ao mesmo tempo concisa e completa! Coisa de químico que combina reagentes!
ResponderExcluirParabéns pelo texto e também pelo Dia do Químico!
O blogueiro já sabe: Não foi o primeiro e não será o último buraco no meio do caminho. Melhor reler Saramago.
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