Cancelamento

O carnaval não foi suspenso um ano atrás, em misto de algum desconhecimento sobre o que viria a ser a pandemia do novo coronavírus e muito do interesse comercial de mantê-lo. Críticas honestas e hipócritas aconteceram em dias posteriores, quando a OMS confirmou a doença mundial e os primeiros casos foram notificados no Brasil. A comparação com o fechamento imediato das escolas e suspensão das aulas foi o mais perversamente irônico daqueles eventos. Hoje, ouço e vejo admirado as notícias de que a festa mais tradicional do país será efetivamente cancelada. Alguns dias ainda nos separam do registro da festa no calendário. Vamos ver o transcurso dos fatos. As escolas continuam em abertura e fechamento intermitente. Em Campinas, alguns estabelecimentos reabriram, notificaram casos de Covid-19 e voltaram a fechar. A propagação entre os mais jovens - crianças e adolescentes - ainda nos é desconhecida e esses dissabores não são exclusivos nossos, pois europeus e norte-americanos passaram e passam por situação semelhante. Fato é que não soubemos uma solução para a arte mais nobre do sabor e do saber: o aprendizado. Analisando a sociedade com um impossível olhar externo diríamos que nos articulamos para ir a bares, baladas e praias e desdenhamos de ir à escola e às atividades culturais. #IniCiencias

Eu não consigo me interessar por programas do tipo reality shows por mais questões sociais que ali possam ser apresentadas e discutidas. Pode ser uma maneira de entretenimento passivo, apenas para assistir a bobagens nesses árduos tempos pandêmicos, mas o tempo ainda é melhor utilizado dormindo. Além disso, há a quase certeza absoluta de que falas, situações e conflitos são previamente definidos e combinados porque o objetivo de tais programas é a audiência, e não a realidade, como o nome pressupõe. Gregório Duvivier escreveu hoje na Folha de S. Paulo uma consideração inusitada, ao afirmar que, se o cidadão por mais interessante que seja, topou participar do programa, deixou de ser interessante. Ouso dizer que o cancelamento que o colunista e humorista faz é semelhante ao princípio da incerteza de Heisenberg. Se uma propriedade se manifesta, outra intrinsecamente presente deixa de existir. No caso do físico, não é possível determinar simultaneamente a velocidade e a posição de uma partícula de dimensão subatômica. De certa forma, uma cancela a outra. O indivíduo interessante que se dispõe a participar de um reality cancela o interesse despertado.

Assim, o cancelamento do título não é o desejo de alguns leitores (ou detratores) deste blog que não mais querem receber a notificação de que há postagem nova. O termo assumiu o significado de dar um gelo em alguém ou passar a ignorar o que a pessoa diz, como se até então estava dizendo algum de útil ou importante. Em sociedade em que se lê no máximo três parágrafos curtos - razão do nome deste blog - e não se presta atenção em argumentos elaborados, há que se considerar que a maioria absoluta dos que são considerados celebridades têm algo a dizer? Além disso, a capacidade em uma atividade não leva necessariamente ao mesmo desempenho em outra. Por que um esportista precisa ser bom interlocutor em programa televisivo? Ou o excelente ator ou atriz precisa ter uma filosofia a ser dissecada em blogs e redes sociais? Cancelados ou substituídos continuemos em nossa singela contribuição para alguma reflexão.