Vida e morte no âmbito universitário
Estava eu aqui com uma tela em branco, de novo, para escrever. Sobram letras, faltam palavras. Antes que elas pudessem morrer de inanição - sim, as palavras precisam ser alimentadas para sobreviver -, passei a juntá-las em algumas frases feitas, os famosos jargões e lugares-comuns, para depois transformá-las em mensagem. Ou melhor, transmutá-las naquilo que segue. A verdadeira imortalidade é a da palavra, pois a mente e o corpo fenecem, como sói ser, mesmo que desenvolvamos as mais mirabolantes possibilidades filosóficas de outras existências para a triste aceitação da inexorável finitude.
O algoritmo computacional e internético reflete exclusivamente a natureza do usuário? Toda vez que faço busca no google por algum nome, sem o uso de aspas, o primeiro resultado é sempre o de um obituário. Alguém morreu e tinha aqueles nomes como seus, ao menos em seu registro, em seus documentos. O uso de aspas especifica a busca, pois fica restrita àquele conjunto exato de palavras e naquela ordem. Não raro me deparo com homônimos meus já falecidos. Um era criador de sambas-enredos e morava em Ourinhos. Esse resultado pode ser apenas uma lista, não um relato daquela existência que a internet registra, mas é um fato, antes restrito aos veículos impressos, hoje universalizado na rede de computadores. Nesta semana, a suave crônica de Ruy Castro "A morte e a morte de Eric Bentley" foi lida agregada ao pitoresco de uma dessas seções jornalísticas. Ele discorreu sobre o falecimento do ensaísta de teatro Bentley, cujo obituário já estava pronto muito tempo antes de sua morte e quem o escrevera também morreu. Os obituários prévios apenas revelam a naturalidade da morte, uma das duas certezas da vida. A outra, obviamente, são os impostos.
Porém, dos impostos sai também o financiamento das universidades públicas e entender o que elas são, especialmente para quem delas ficou longe ou nunca se aproximou, é muito difícil. A inclusão social promovida ao longo do tempo causou um distanciamento ainda maior dos detratores da função pública do Estado. Lemos cartas de leitores em consonância com aquele ministro de triste memória, hoje foragido nos Estados Unidos, afirmando que no âmbito estudantil há apenas drogas e sexo. Creio que o rock´n´roll deve ter sido substituído pelo paradoxal 'sertanejo universitário'. Ironia à parte, é essa base da ignorância - no caso, no jornal de Campinas, propalada até por um astrônomo famoso! - que dá vazão para o que o governador paulista se propõe a fazer, ou seja, extinguir a pesquisa científica nas instituições públicas por meio do projeto de lei 529/2020. Meu artigo para o Jornal Cidade de Rio Claro de hoje foi nesse sentido, bem como as cartas que enviei para outros jornais. Assisto agora ao reitor da Unicamp, Marcelo Knobel, fazendo uma live de entrevista com jornalistas para explicar a situação. Ao que vejo pela manifestação geral e até de muitos deputados a situação será revertida, mas a marca da intenção permanece. Não conseguem entender a importância da ciência, da tecnologia e da educação públicas e de qualidade. A má intenção é, como sempre, precarizar para depois privatizar. Tem funcionado para toda e qualquer instituição pública, incluindo empresas e órgãos da administração. #IniCiencias
Muito bom, Adilson!
ResponderExcluirAstrónomo famoso? Não será aquele que no mesmo jornal disse que o Papa é comunista e tinha um passado como tal na Argentina? Tentou ficar famoso com isso, mas não estava no canal certo nem tinha o corpo chamativo da Sara Winter.
ResponderExcluirA morte paira nas entrelinhas do blogueiro: na "inexorável finitude" do primeiro parágrafo, nos "homônimos falecidos" do segundo, na "extinção da pesquisa científica" do terceiro. Resta não deixar que as palavras "morram de inanição". Uma discreta depressão no ar?
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ExcluirA "inexorável finitude" não é, a religião nos põe isso, associado à falsidade da vida eterna se cumprir com os homens que a dirigem. A Ciência poderia controlar o relógio que temos no DNA, como já o faz com alguns insetos e está chegando a fazer em ratos, depois de clonarem macacos a beça (desculpem a falta de língua acadêmica, mas estou me desacademiçando, termo que não deve aparecer no Aurélio mas é consequência de meu esperantismo). Pulbiquei uma carta no jornal de Campinas a respeito Faço uma obra teatral, e a fiz em esperanto no Congresso Nacional de Curitiba, maio de 2018: "Selfies, portretos kaj memportretos por eterne". O público gostou. E digo "o" e não "as pessoas" pois tive somente uma pessoa presente, um dos do clube dos dinossauros. Poxa! Quis colocar uma mensagem otimista, e não consegui!.
Excluirhttps://casadolago.proec.unicamp.br/eventos/palestra-selfies-retratos-e-autorretratos-para-a-eternidade-acontece-na-casa-do-lago-dia-1206
Excelente
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