Trabalho científico e cultural

Nos tempos de Lorena, o Primeiro de Maio era invariavelmente passado nos Estados Unidos participando de congresso científico anual na área de biocombustíveis. Outros tempos, mesmos interesses. Naquele país não é feriado, o que foi surpresa no início das participações, acreditando tratar-se de uma comemoração mundial, tal como é o Natal. De presente, apenas nossa presença nas três sessões diárias - manhã, tarde e noite - em que o evento era organizado. O grupo de brasileiros sempre foi significativo, e alguns alunos meus de doutorado tiveram seus resultados lá divulgados, aproveitando oportunidades para desenvolver estágios em outros laboratórios. A internacionalização da ciência serve para isso também. Os encontros científicos de hoje foram reduzidos no tempo, mas não na importância. Vinte anos atrás, o estabelecimento de combustíveis advindos de fontes renováveis era questão primordial na pesquisa científica para o combate ao aquecimento global e mudanças climáticas, com o protagonismo do Brasil devido a sua vocação agrícola desde o período colonial. Continuamos a defender o verde, mas maduro nas tecnologias desenvolvidas.

Pouco antes do feriado, a Academia Brasileira de Letras escolheu a jornalista e escritora Míriam Leitão para ocupar a cadeira de número 7, cujo patrono é Castro Alves e foi ocupada anteriormente por Cacá Diegues. Um dos primeiros ocupantes havia sido meu querido Euclydes da Cunha. Nos grupos de WhatsApp das academias a que pertenço houve pertinente discussão sobre a escolha, às vezes elogiando-a e, por outras, criticando-a pelo aparente viés político da votação. Reproduzo aqui alguns de meus comentários, começando por afirmar que toda arte é engajada. Pode-se não concordar ou não gostar de um dado engajamento, por preferir outro viés. Todos os Acadêmicos do sodalício são escolhidos pelos que lá estão, valendo para a maioria das instituições culturais. Ou seja, as características do ungido são aprovadas pelos antecessores que também passaram pelo mesmo crivo. Eram 16 candidatos para a vaga e Míriam Leitão obteve 20 votos dentre os 34 possíveis. Os outros 14 votos foram dados a Cristovam Buarque, conforme noticia o site da ABL (https://www.academia.org.br/noticias/jornalista-miriam-leitao-e-eleita-para-abl).

As candidaturas são de iniciativa do candidato. Na história da Academia Brasileira de Letras há grandes escritores que nunca se candidataram. Carlos Drummond de Andrade, Graciliano Ramos, Clarice Lispector, Érico Veríssimo e Luís Fernando Veríssimo são alguns deles. Por outro lado, há escolhidos e preteridos. Meu querido Euclydes da Cunha entrou na ABL de primeira. Meu outro querido Lima Barreto tentou três vezes e não conseguiu. Ambos refletiam brasis profundos, mas as regras sociais em relação aos dois foram aplicadas de formas bem distintas. A produção literária é múltipla. Somos poetas, romancistas, cronistas, letristas e outros desenhistas de múltiplas realidades vivas e vividas. Que a discussão sobre a escolha não seja contaminada pela ignorância que grassa pelas redes sociais, na internet e até nos fóruns mais elevados e nobres da sociedade. O fato da escolhida ser jornalista foi apresentado com tom jocoso, mas, mais uma vez lembrando "Os Sertões", tal obra magnânima foi iniciada na forma de reportagens para o jornal "O Estado de S. Paulo" e Euclydes da Cunha é citado em muitas biografias como jornalista.

Comentários

  1. Excelente texto, bem escrito e informativo. Mais uma vitória feminina, pequena porque só dez mulheres até hoje conseguiram vestir o fardão da ABL parabéns pelo texto.

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  2. Estimado confrade, muito bem elaborados os três parágrafos, com a lucidez inconteste de assertivas e argumentações sempre a valorizar os valores cognitivos, de competência e méritos conquistados. Da mesma forma entendo que devemos ter o devido discernimento para reconhecermos os títulos alcançados pela ascese profissional e intelectiva sem nos atermos a avaliar as convicções a que cada pessoa tem o direito de cultivar e cria-se, desse modo, uma respeitabilidade mútua. Parabéns pelos três parágrafos! Ana Maria Negrão

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  3. Excelente e elucidativa matéria. E também muito providencial, uma vez que recebi a notícia com certa estranheza, não desmerecendo o teabalho literário da colega de profissão, que deuxeucde admirar por sua falta de ética profissional, ao deixar contaminar suas noticias pelo viés político que adotou. Temos escritores fabulosos que não se candidatam à ABL, o que a torna maus fragi, quando poderia ser tão forte. Nilce Franco Bueno, jornalista e escritora, presidente da Academia De Letras Rio-clarense - Alerc-SP.

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  4. Paulo Cesar L Villalva3 de maio de 2025 às 19:41

    Excelentes colocações Adilson. Também não desmereço o talento de cada escolhido pela academia, seja da literatura ou de outras artes. Nela encontramos verdadeiros talentos e outros tantos deploráveis, sejam dos novos ou dos antigos. Infelizmente academias seletivas só servem para preencher os egos de cada ocupante, com pouquíssimo viés social e cultural. Principalmente quando os eleitos são convocados para se inscreverem, com votos certos na urna. Meus parabéns a Carlos Drummond de Andrade, Graciliano Ramos, Clarice Lispector, Érico Veríssimo e Luís Fernando Veríssimo, que nada perderam.

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