A culpa é das palavras

Concluí a leitura de Baviera Tropical, de Betina Anton. Aprendi bastante sobre a crueza com que os nazistas fizeram seus experimentos genéticos, alguns amparados por uma pseudociência eugênica, não muito diferente da que assistimos dois, três anos atrás que levou à morte meio milhão de brasileiros com o atraso de vacinas e estímulo a "drogas milagrosas" durante a pandemia do coronavírus. O livro fala da vida e da morte de Josef Mengele no Brasil, em estilo estimulante à leitura, com farta documentação da época e entrevistas realizadas pela autora, tecendo um conjunto de palavras muito coeso e convincente. A leitura não é automática porque não consigo ler sem anotar. Comentários e dúvidas são registrados em cadernos à parte, pois nunca tive o hábito de rabiscar livros. Já discorri sobre a importância da marginália de bibliotecas de filósofos e outros estudiosos do conhecimento. Ademais, continuo - também com anotações - as demais obras em leituras paralelas, aproveitando o restinho de férias que me resta, sabendo das cobranças múltiplas a que estou exposto, justificadas quase todas.

A leitora, escritora, educadora, poeta e trovadora Maria Cristina de Oliveira também lê várias obras simultaneamente. No formato digital, tenho lido apenas obras técnicas e científicas, bem como alguns clássicos filosóficos e sociológicos para meu aprendizado. Quanto à literatura de conhecimento, contemporânea, ainda tenho dificuldades de abandonar o livro em papel. Mas chamo a atenção para um comentário de rede social que criticava os jovens por não mais lerem, verificando que estão no celular o tempo todo. Bem, experiência caseira própria, muitos deles leem obras clássicas nos tablets, notebooks, celulares, kindles e em outras telas mais. Lembremos que papel é apenas um formato para o livro, como um dia foram o papiro e a oralidade. Aliás, Ray Bradbury faz com que em Fahrenheit 451 a distopia seja abordada por esse viés. Com a proibição da existência dos livros físicos, a resistência cultural e social passa a memorizar obras inteiras para ir passando seu conteúdo às novas gerações por meio da fala e da escuta. Palavras lidas, ouvidas e vividas. Espero que, ao concluir as demais leituras, possa delas falar um pouco, ampliando o conhecimento, como também tem a expectativa o leitor, escritor, poeta e médico Paulo Viana.

Algumas páginas são viradas mais rápidas do que outras, valendo para o livro e para a vida. Somente se chega ao fim conduzindo palavra por palavra, folha por folha, passo por passo. E tudo possui um início, muito mais fácil para a leitura de um livro do que para qualquer outra coisa. Sem enrolar demais, sigamos. A postagem tardia da semana coincidiria com o dia do aniversário de Euclydes da Cunha (20 de janeiro) ou com o da morte de Elis Regina, um dia antes (19 de janeiro). Nenhum nem outro aconteceu e adentramos o domingo ensolarado e chuvoso para a conclusão destes parágrafos. Assunto não falta. As palavras é que teimaram em não se alinhar para produzir algo coeso. Culpa delas.

Comentários

  1. Escrevi ontem o prefácio de um livro culpando a palavra chamando -a de fragil e pobre.
    A pobreza estava na minha inspiração.Vou usurpar também a sua inspiração.
    Parabéns pelo conciso texto.
    Abração!

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  2. Eu fui uma que sente como perda para os jovens de hoje não lerem livros "de verdade " e não os e-books, que também são livros, mas virtuais. A palavra, para mim, no livro de papel tem um sabor diferente e pode ficar fixada em nossa mente com mais facilidade fo que no e-book, onde queira-se ou nào, passa a ser uma leitura da pressa ou da voracidade em que a quantidade vale mais do que a qualidade, a beleza, a inspiração, a reflexão. Sei que posso estar completamente equivocada, mas é assim que sinto. Quando nào tínhamos o que fazer nas férias, minha mãe, professora, repetia sem moderaçào: " Nào tem o que fazer? Pegue um livro e leia". E foi assim que fiquei viciada em ler romances principalmente naquela época. E foi assim que aprendi a sentir prazer em escrever. Até tentei ler livros digitais, mas logo me canso. Daí vejo como estou fixada na minha época e como ainda não fui capaz de me adaptar à praticidade dos dias atuais. Fazer o quê? Em compensação, meu neto mais velho, já na universidade, adora trocar ideias comigo.

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  3. Amei o título da postagem. Na publicação do meu blog, que sairá logo mais, falo sobre essa questão da constância ao escrever. Não irei me culpar mais! Culparei as palavras rsrsrs.
    Obrigada pela deferência ao meu nome. Senti-me lisonjeada. Quanto ao fato de ler livros digitais, reafirmo que num kindle ou num tablet você tem várias bibliotecas em suas mãos e pode navegar desde a literatura mais moderna até a mais clássica, tudo em poucos cliques! O livro físico é ótima, mas o virtual é fantástico. Abraço fraterno!

    Maria Cristina de Oliveira

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  4. Paulo Cesar L. Villalva23 de janeiro de 2024 às 21:22

    O livro de Betina Anton ainda não li, porém deve tratar de assunto sério, sem margem a comparações ideológicas sem fundamentos, assim creio.
    Os experimentos genéticos nazistas na primeira metade do século XX tinham como objetivo a pureza da raça, tomando como parâmetros os arianos. Dr. Josef Mengele até que tentou na Argentina e no seu vizinho, falhou, mas tanto fez que algum sucesso obteve, visto é que hoje uma dessas excrescências circula imponente, sem cabelos e envolto em capas pretas por palácios do país vizinho, prendendo macacos que apenas comiam bananas.
    O que mais modernamente se poderia assemelhar a este genocídio orquestrado seria o fato de criarem um vírus letal em laboratório e o disseminarem mundo afora, usando seres humanos em larga escala, como cobaias para fabricação de vacinas, cujas consequências ainda se espera apurar nos jovens dos próximos vinte ou trinta anos.
    Jogada de mestre? Diríamos que sim.
    Enquanto se gastam trilhões em guerra fria e hegemonia bélica, testando bombas atômicas em mares e oceanos, capazes de dizimar regiões inteiras, o teste do vírus foi mais enfático e eficiente. Comprovou-se que é possível até a extinção da humanidade.
    Enquanto isso, no país das bananas, um certo governador usando calças apertadas sonhava em ser o pai das vacinas envazando em Manguinhos um líquido chinês comprado a peso de ouro, para se tornar o novo ditador. De ideias fracas, foi logo abatido por seus pares, cujas ambições eram maiores.
    Paralelamente, na falta de conhecimentos e de recursos, os esculápios locais, cientistas de seriedade comprovada, lançavam mão de drogas existentes para diversos fins, aplicando-as puras ou combinadas, numa tentativa hercúlea de fortalecer a imunidade da população para resistir ao vírus, mutante e letal.
    Descobriu-se, em curto espaço de tempo que não havia cura possível, nem com drogas e nem com vacinas. Restava apenas reproduzir, de bom senso, o que se fez na idade média durante a peste negra – o isolamento. Boccaccio em seu Decameron, retratou bem estes fatos através de histórias registradas por aqueles que não sucumbiram, isolados em grupos pequenos nas montanhas da Europa.


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  5. Amei o título da postagem

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  6. Ótima postagem e ótimos os comentários de seus amigos e leitores..
    Realmente a culpa, muitas vezes , é das palavras, principalmente nos relacionamentos interpessoais.
    Magda Helena

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