Estresse pré-traumático

Expressão corrente nesta semana é o estresse pré-traumático do retorno das férias. O calendário é ingrato para determinar períodos de suposta interrupção e inatingível descanso para muitos ao mesmo tempo, a coincidência com os dias mais quentes do verão. Aqui e no hemisfério norte é assim, e no final de ano eles fazem apenas uma pausa no período de festas. Ainda seguindo o calendário escolar, ou porque há filhos nessa idade, ou porque se é parte da estrutura educacional, o fim das férias é traumático. A divisão do tempo em dias e meses é prova do condicionamento a que submetemos nossa mente, pois o universo pouco se importa se hoje é uma segunda-feira, um feriado ou dia santo. Tal divisão deveria ajudar na organização, mas resulta em prazos e daí é um pequeno passo para aumentar a ansiedade e angústia das intermináveis listas de afazeres. Há estudos que mostram que organizar torna-se mais importante do que realizar. Tenho minhas dúvidas... Mas já é mês que vem e agora vai!

Vou resgatar um relato do tempo em que fui professor do Ensino Médio. Revelo o nome, por comum que é e já não tenho mais contato com ele. Marcão era sua alcunha, professor de História, barba desgrenhada, de óculos e com alto timbre de voz - na verdade, ele sempre gritava para falar. Certa noite, no intervalo, aparece revoltado na sala dos professores, indignado com um aluno que havia perguntado qual era a ‘cultura dos índios’. “E índio tem cultura?”, foi a expressão vociverada pelo professor a todos que quisessem e não quisessem ouvir. Isso aconteceu entre 1990 e 1992, antes de impeachment, antes de eu ir morar na Alemanha, mas já com alguns anos de vigência da Constituição Federal. O estabelecimento educacional passou um tempo pela experiência da “escola padrão”, em que as aulas eram redistribuídas ao longo da semana para que todos os professores tivessem uma noite exclusivamente para lidar com o projeto integrador de forma conjunta com os demais colegas. Funcionou até a Diretora se afastar por motivo de saúde e sua substituta, professora de Português, se declarar contrária ao projeto. Nem todos os professores entendiam o que é educação inclusiva.

Se aprender pode ser traumático, viver na ignorância é muito mais, dizem ditados educativos que abundam por redes (anti)sociais. Viver é aprender, dirá outro, mas morrer também é aprendizado de vida. Não, não quero ser mórbido, estou apenas fazendo constatações. Gloria Maria fez história no jornalismo e no início da presença da mulher negra nas famosas telas de tv. Adriana Dias estudou as células neonazistas no Brasil, revelando o aumento dos ovos de serpente que continuam eclodindo. Aos 106 anos, a Acadêmica e escritora Cleonice Berardinelli faleceu. São algumas das vidas conhecidas, talvez celebridades em seus meios de atuação, representando muitas pessoas que não aparecem no noticiário, mas são e foram constantes na existência de outras pessoas. Há que se encerrar ciclos na vida e a própria vida é o principal deles. Sempre lamentamos a perda de referências, mas não se pode perpetuar o sofrimento alheio para aliviar a consciência da ausência. Ficamos velhos e os que fizeram parte de nossa existência também.

Comentários

  1. Não vejo no que poderia ser errado no calendário escolar. E não existe trauma da criança, que espera ansiosa pelo início ou retorno à escola. Já para os pais e educadores, ai sim, é estressante ou traumático, pois são interrompidas suas prolongadas férias.

    Professor babaca e despreparado existe em todas as instituições e em todos os tempos. E achar que indígena não tem cultura, faz parte da má educação que ele recebeu. O que falta, na verdade, é uma política educacional séria, sem ideologismos.

    É evidente que não deixamos de aprender no decorrer da vida. Muito ou pouco, a verdade é que a vida ensina muita coisa. No entanto, o ato de morrer não ensina nada a ninguém, a não ser o fato de que não há mortal insubstituível e que nenhum conhecimento pode ser enterrado. Mulher negra, homem negro, são adjetivos desnecessários para distinguirmos seres humanos e suas contribuições sócio culturais que vão se perpetuar sem a tarja negra.

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