Seriíssimo

Concluí a rápida leitura de As inseparáveis, de Simone de Beauvoir (Ed. Record, 2021), um extrato de reminescências principalmente de sua infância e pré-adolescência em amizade com Zaza, retratada como Andrée. Chama a atenção que são experiências tão comuns à primeira abordagem e que se tornam importantes devido ao que a autora veio a se transformar depois. São extratos já integrados em outras obras, mas que teve uma primeira edição apenas agora como elemento independente. Amores, dúvidas, regras sociais, embates na família, admiração da natureza. Quantos tiveram vivências equivalentes e por não a relatarem ou não chamarem a atenção da sociedade para a própria existência nunca galgaram um lugar nas estantes e arquivos pdf. Por isso, talvez, que eu vá registrando inferições comezinhas do que me acontece ao redor, primeiro em cadernos de capa dura preta e, mais recentemente, em multicoloridos e mais flexíveis. A rigidez da obrigação das anotações foi se moldando com o tempo. Vai que algum dia tudo ou algo torne-se importante! Sem que combinássemos, Paulo Viana, "o" leitor deste blog, fez reflexões sobre o tempo que passa citando outro texto de Simone de Beauvoir, A velhice, (https://blogdopaulosergioviana.blogspot.com/2023/01/o-arauto.html). Linda crônica para ser lida.

No final do livro de pouco mais de 100 páginas que acabei de ler, a autora fala acerca de uma pessoa feiíssima, sim, com esta grafia correta. No ato lembrei-me de quando critiquei o uso de "precaríssima" em um artigo de jornal importante da capital paulista, que publicou o vocábulo sem o i a mais. Discorri sobre isso na coluna "O contexto dos erros", do extinto Jornal Guaypacaré, que foi republicada à página 292 de meu Transformações na Terra das Goiabeiras (2017). A Maria Eunice, secretária do Departamento de Biotecnologia em que trabalhávamos e que comigo dividiu a sala por muito tempo, era também escritora a mancheia e corretora de nossos textos em inglês e português. Com esses predicados, mesmo assim, desconhecia a grafia correta de seriíssimo, precariíssimo e outros que tais e tive de confrontá-la com gramáticas e dicionários para que reconhecesse o fato. Certo é que o moderno Houaiss já admite usar seríssimo devido ao costume, como sói acontecer com o desenvolvimento da língua. Feiíssimo pode aparentar ser mais feio do que realmente é.

Seriíssimas ou seríssimas continuam as questões sociais e políticas do país. Há muito crime para ser punido (https://www.brasil247.com/blog/crime-e-castigo-yiua6xqb) e a tragédia Yanomami é o mais recente revelado. As imagens são impactantes e, dada a constância e objetivo do descaso, é mais provável que se trata de genocídio. Juristas assim concordam, mas também apontar ser difícil um processo ou punição baseados nesse argumento. Transcrevo uma impressão que enviei ao Estadão que não foi lá publicada, uma daquelas missivas preteridas, com a ressalva de que os números apresentados são estimativas colhidas de sítios da internet: O cuidado com os povos originários sempre foi insuficiente, mas atingimos um patamar semelhante ao genocído. Nem nos Estados Unidos, com suas políticas de deslocamento de indígenas, guerras civis e atuação da cavalaria enaltecida pelo ex-despresidente, a dizimação dessa população ao longo de cinco séculos foi tão grande quanto aqui. Na chegada dos europeus havia cerca de 6 milhões de nativos lá e aqui; hoje o Brasil computa menos de 1 milhão e os EUA, quase 4 milhões.

Comentários

  1. Cuidar da língua e aprecia-la é tão importante quanto o conteúdo da escritura. Portanto, parabéns pelas considerações superlativas. De minha parte, vou percorrendo a densa “Velhice” da Beauvoir. Quanto ao nosso genocidio pátrio, não custa lembrar a nossa responsabilidade de cidadãos: somos nós que elegemos aqueles que andam fazendo a politica relativa aos povos originários. Cada um de nós tem uma parte nisso.

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