Sucupira em festa

Dias Gomes faria um século de vida neste 19 de outubro. Seu "Bem Amado" tem sido resgatado pela Rádio Sucupira, uma produção da CBN, que mescla as gravações sonoras originais daquela novela com falas atuais, principalmente de atores do meio político, sem perder a fluidez dos diálogos e a contemporaneidade dos assuntos. O programa está disponível neste link: https://cbn.globoradio.globo.com/comentaristas/radio-sucupira/RADIO-SUCUPIRA.htm. A coincidência e atualidade de falas e cenas da novela espantam, tornando-se um momento ímpar da verossimilhança factual. Do humor chega-se à angústia de saber da materialidade histórica em que tudo se repete, e, desta vez, estamos tentando evitar a tragédia. Há um deslocamento do eixo do poder em curso ao qual parece que não ficamos devidamente atentos. Sem humor, teci alguma considerações sobre o assunto para o Brasil 247: https://www.brasil247.com/blog/votos-pesquisas-e-o-deslocamento-do-poder. No caso da Rádio Sucupira, pensei que havia sido interrompida devido ao período eleitoral, tal como ocorreu com outros programas do gênero (o Greg News foi um deles), mas foi mantida. Sugiro a audição dos episódios antigos para deleite e espanto.

Ainda estudante, assisti a uma encenação de "O Berço do Herói" em Campinas por ocasião da Campanha de Popularização do Teatro. Demorou para entender que se tratava do mesmo enredo de "Roque Santeiro", a famosa novela de Dias Gomes, do tempo em que a atriz não era atroz. Uma trama muito bem articulada daquelas pequenas mentiras contadas para manter o fundamento religioso e econômico de uma cidade. Hoje as mentiras são enormes com o mesmo objetivo e muito mais criminosas, dada a dimensão estatal que atingiram. A proibição da peça e da primeira versão da novela mostra o que foi a censura na ditadura militar, que muitos hoje ainda enaltecem e - pasmem! - querem que volte. Dias Gomes caminhou com excelência pela dramaturgia, resultando em expressivas produções cinematográficas e televisivas. Lembremos que "O pagador de promessas" foi o primeiro filme brasileiro a ser indicado a um Oscar e o único a ganhar a Palma de Ouro em Cannes. Aquela discussão sobre intolerância e sincretismo religiosos do filme está bem atual, não acham?

Os dias recentes foram também do Médico e do Poeta. Ambos se encontram no Paulo Viana, meu colega Acadêmico de Lorena (http://blogdopaulosergioviana.blogspot.com/). A Academia de Letras daquela cidade realiza reunião presencial no próximo sábado, 22 de outubro, com rica pauta cultural incluindo lançamento de livro sobre o "café e a jornada da independência", de Francisco Sodero Toledo, e a palestra de Diego Amaro e Abraão Santos também focada no Bicentenário da Independência. Não faltarão menções e homenagens aos poetas e médicos. O desejo é que a cura dos nossos males e a sublevação de nossas mentes se iniciem por nossas ações e também por nosso voto. Assim, no centenário de Dias Gomes, Sucupira poderia estar em festa com a chance de consolidar sua remissão. Prafrentemente veremos se continuaremos a criminosa distopia em curso há meia década ou se podemos consolidar a guinada para uma utopia, ainda que limitada, constrita e cientes de que haverá muito a ser reconstruído.

Comentários

  1. Parabéns pelo excelente texto! Ando mesmo pensando que estou vivendo em Sucupira. E viajei na máquina do Tempo: estou em 1964, morrendo de medo desses “comunistas” que comem criancinhas!

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  2. Texto de alto nível, Adilson. Parabéns! Estamos realmente vivendo em tempos de Sucupira, com uma diferença: tudo o que está ocorrendo é real.

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  3. O blogueiro não perde a esperança e o otimismo. Parabéns. Eu não tenho conseguido, diante do cenário... (P.S.Viana)

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