Venenos e curas

As oscilações de temperatura e umidade são esperadas, mas comprometem a saúde. Resfriados e constipações entram no vocabulário do período entre as estações climáticas. A secura foi interrompida por rajadas de chuva, aqui no sudeste brasileiro, insuficientes para estabilizar o solo, porém causando algum alívio para as vias respiratórias. Outras vias, as de circulação de veículos, por sua vez, acolheram acidentes acima da média porque freios funcionam menos quando a pressa e a chuva se combinam. O carro dorme na oficina enquanto perambulo, a pé, por ruas esburacadas e molhadas. Em cada poça, descortina-se um novo ecossistema de bichos, plantas, sujeira e reflexos de céus plúmbeos. Quiçá se dissipem e revelem aquela outra cor que está fora do debate eleitoral predominante. O azul é a mais bonita delas e sei que é ilusão psicológica dizer que ela também nos acalma. Já que parei para contemplar uma poça d´água, dispo-me momentaneamente da razão científica que move a vida para imaginar uma ciano distopia possível... Não, não me envolvi em acidente com o carro. É manutenção e reparo de problema mecânico.

Um tempo mais nublado convida para expandir a introspecção e a leitura. José Antonio Bittencourt Ferraz nos lembra que hoje é dia de Agatha Christie, a pioneira escritora de estórias de crimes e seus desvendamentos (http://lorenafilatelia.blogspot.com/2022/09/agatha-christie-agenda-cultural.html). Pode não ser a pioneira, mas é a que mais produziu e vendeu nesse gênero. Gerações atuais redescobriram a escritora e passaram a admirar suas obras que contam com novas edições. Li muitos de seus livros e criei um gosto por esse gênero que migrou para as séries televisivas de investigação criminal. Hoje, por exemplo, estou concluindo a dupla trilogia Millennium, escrita originalmente por Stieg Larsson, que faleceu logo após entregar os originais do terceiro volume. A série foi continuada (ou apropriada, segundo alguns críticos) por David Lagercrantz que usou os mesmos personagens e conflitos para criar novas estórias. Os dois conjuntos foram base para filmes, tanto os hollywoodianos quanto os suecos, nacionalidade de ambos os escritores. Talvez seja considerada literatura marginal por não lidar com as grandes angústias da existência, tal como os clássicos são classificados. Mas creio que toda leitura deixa sua marca que pode ser uma marca boa, com muitas conexões. O ciano do azul, por exemplo, dá origem ao cianeto, escrito como cianureto, um dos venenos muito usados pela dama do crime.

Reparos na oficina têm apenas o dissabor material do custo e mudança momentânea de hábitos de mobilidade. Há quatro anos postei aqui sobre outro recolhimento do automóvel aos consertos necessários (http://adilson3paragrafos.blogspot.com/2018/08/cultura-da-quebra.html). Também era véspera de eleição, mas outros ventos sopravam. A tempestade não se anunciava ainda. Porém, dez anos atrás meu mundo familiar estava desmoronando, sendo colocado à prova pelo diagnóstico da leucemia da filha. Juntos sobrevivemos aos cânceres, às mudanças de emprego, à pandemia e, até aqui, ao pandemônio. Escrever foi uma terapia fundamental, expandindo a prática já existente, permanecendo em esferas ampliadas desde então: este blog, as publicações dispersas, a contumaz missiva de todo dia, a opinião em grafite que precisa encontrar sua celulose para ser perene. Foi uma época ruim, de muitas dores. Agora é tempo de cura.

Comentários

  1. Adilson consegue fazer com que eu lembre filmes de ficção quando leio sua realidade E consegue fazer de sua realidade uma verdade muito comum a muitos de nós. Assim és la vida recheada de fatos cotidianos qur nos levsm a devaneios

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  2. Ótimo texto, Adilson! Todos os dias a Ceifadora nos visita, cheia de gentilezas e ademanes, e quase todos os dias a enganamos com tretas aprendidas e inventadas. Creio mesmo que ela gosta de aprender essas espertezas inesgotáveis dos humanos...

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  3. Adilson, o comentário acima é meu.

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