Cartas vividas

Missivista contumaz, todos os dias envio cartas e comentários a jornais e revistas. No início, no tempo da universidade, o foco eram os erros e omissões de caráter científico que grassavam, que pululavam, que abundavam em tais veículos informativos. O vício dominou o hábito, e a política, como não poderia deixar de ser, invadiu o conteúdo dos textos. Diminuiu a porcentagem de publicações, talvez pelo aumento do interesse de todos opinarem, facilitado pelas vias eletrônicas e digitais que passaram a existir. Lembro que até por fax (!) enviei comentário para a Veja, que chegou a ser publicado. Essa revista não mais publica cartas, ficando a possível crítica de leitores limitada aos que possuem assinatura digital e podem fazê-las no site (http://adilson3paragrafos.blogspot.com/2021/02/pedacos-de-jornais.html). Isso quando a censura permite, pois aprendi que o conteúdo do texto deve ser dosado em função da natureza do veículo. O princípio é nunca trair a própria opinião, mas há tons que podem ser evitados ou contornados para favorecer a publicação. Tenho interlocução com outros missivistas e noto que a estratégia é seguida por eles também, aprendida por tentativa e erro. 

Relendo postagens anteriores, constato que estou me repetindo em lamúrias. As cartas que não são publicadas de imediato passaram a ser juntadas em outros textos. Já informei tal estratégia aqui e alhures. Faço com certa reserva, parecendo que estou surrupiando minhas palavras para elaborar outras. O auto-furto perdoará o missivista por um século de sigilo, já que esconder oficialmente a bagunça para debaixo do tapete virou moda oficial agora? Nesta semana, mais um texto opinativo foi assim gestado: https://www.brasil247.com/blog/desonra-presidencial-e-a-inercia-em-notas-de-repudio. Críticas sobre a ausência de outros esportes para além do futebol nas páginas dos jornais foram agregadas neste aqui, no Jornal Cidade de Bauru: https://www.jcnet.com.br/opiniao/articulistas/2022/07/810181-outros-esportes.html. Talvez o acesso seja limitado e uma cópia do material impresso - sim, o jornal continua saindo em celulose impregnada de tinta - está em minhas páginas e perfis no Facebook, Instagram e Twitter.

O Dia do Escritor passou em algum momento desta semana e repeti uma frase que havia plasmado tempos atrás. Somos todos escritores, uns com livros publicados, outros, com livros vividos. Pela primeira vez, desde os tempos do Orkut, quando o sumário de minha tese de doutorado foi divulgado como sendo de outro autor, vi meu texto disseminado sem autoria. A frase não possui nada de muito elaborado, concordamos, mas foi um misto de euforia, pela deferência, com preocupação pelo plágio. Uma variante substitui o pronome outros por todos, pois todos somos livros em nossas vivências, resgatando um pouco da distopia de Fahrenheit 451 em sua parte final. Mas também a frase não agradou escritores profissionais que se sentiram desprestigiados. Na verdade, apenas uma assim se manifestou, mas imagino que possa ter sensibilizado outros em silêncio. Sei que muitos penam para encontrar seu lugar ao sol e pagar as contas da existência material com a venda de livros. O objetivo da frase foi de externar um sentimento, não de machucar meus queridos colegas que usam a escrita como meio de vida.

Comentários

  1. ..argumentos reais, fortes e muito atuais você apresenta aqui. Ademais, sua redação enxuta ajuda na compreensão dos seus teores.

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  2. Excelente texto com importantes argumentos e sem querer ser repetitiva, muito bem escritos! Dá gosto ler. Caro amigo Adilson, com apenas onze palavras você fez uma importante e bela declaração sobre "os escritores" e pelo que pude perceber as interpretações (nas linhas e entrelinhas) foram diversas. Eu amei! Parabéns. Maria Felim

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  3. A propósito de cartas, fico sempre a pensar que o ágil recurso eletrônico talvez nos condene a não mais poder usufruir das missivas saborosas que iam em envelopes de papel entre Clarice e Sabino, entre Vinicius e Tom, entre Mário de Andrade e muitos.

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