Juízes que julgam e jogam

O editor é meu julgador e por ele nada passará. O espaço para a divulgação científica existe, mas é limitado, acabando por chegar às mesmas pessoas, ao mesmo público. O blog tem uma função definida, mas carrega a vantagem e a desvantagem de não ter mediação, nem avaliação. Assim, a submissão para outros veículos que tenham algum critério para publicação ou não passa a ser um desafio. A questão basilar é saber quais são esses critérios e se é interessante moldar-se a eles para ver o escrito publicado. Artigos políticos opinativos eu deixo para determinados canais, uma vez bem definida minha posição em concordância com a deles. Um exemplo recente é este: https://www.brasil247.com/blog/a-falta-de-juizo-do-despresidente. Pensamos que textos culturais ou científicos são desprovidos de tais barreiras, mas não é o que acontece. Somente por conter a palavra "negacionismo" no título, uma reflexão arrazoada que serviria de apresentação em espaço sobre ciência, tecnologia, ambiente e educação foi preterida. Ainda que frustrado com isso - o anunciado novo veículo de mídia foi aqui apresentado em postagens anteriores -, o artigo não publicado já foi enviado a outro jornal. Nova expectativa, fazer o quê!

Nesta semana, o escritor moçambicano Mia Couto recebeu o título de doutor honoris causa da Unesp, cerimônia que foi realizada no Memorial da América Latina. Li pouco o Mia, restringindo-me a Terra sonâmbula e outros excertos, mas sua biografia e atuação profissional são motivadoras, biólogo de formação que é. No dia seguinte à outorga, ele conversou com alunos e professores (https://www.youtube.com/watch?v=9M39r16KzaY) e um ponto que me chamou a atenção foi a avaliação do andamento e estabelecimento da comunicação verbal e escrita. Mia Couto falou de estudos sobre a sistematização da língua, a necessidade de publicar léxicos, ou seja de investir na materialidade de um patrimônio imaterial, concluo eu. Isso implica em regras definidas para que os falantes entendam melhor o que falam. E surge, novamente, a figura de um julgador que pode não se ater às normas e regras e passar a estabelecer seus próprios critérios. Penso que a subjetividade deveria ficar somente para a criação, o conteúdo da mensagem escrita. A redação, composição de sua estrutura e ortografia são mais fáceis de serem regrados. Na ocasição, fiz uma pergunta a ele sobre estar na hora da língua portuguesa ser contemplada com um segundo prêmio Nobel de literatura e ele disse que sim.

Juízes realizando julgamentos com interesses pessoais é prática recorrente no Brasil, a história recente nos mostra exemplo danoso, grande responsável por nos jogar na situação calamitosa em que estamos. Juiz que não julga, joga. Tudo porque a vaidade, a ambição e o desprezo pelo coletivo foram colocados acima do que diz o tal livrinho básico chamado Constituição. No uso do vernáculo, regras também existem, mais frouxas ou mais rígidas a depender do objeto a ser escrito. Esconder os livrinhos em escaninhos empoeirados apenas para uso próprio é antipático com os que estão aprendendo a usar. Ou egoísta, diz-me o fígado, conquistando um espacinho. As frases de um texto, ainda mais na poesia, podem ser utópicas, fora da realidade, mas a regra não pode ser ficcional. Há muitos concursos literários que clamam pela adesão à chamada norma culta e também disposições específicas, nem sempre disponíveis. Sendo poucos os que são chamados para revisar tais regras, a comunicação fica mais turva, afugentando novatos que têm muitas ideias modernas em outras roupagens e linguagens para compartilhar.

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