Séculos literários

Estes meados de novembro contêm vários aniversários e efemérides, restando trabalhoso o relato de todos. José Saramago completaria 99 anos e a data marca o início das comemorações de seu centenário. Padre Mário Bonatti, membro fundador da Academia de Letras de Lorena, intera nove décadas no mesmo dia. Se o signo do zoodíaco tivesse um átimo de significado não conseguiria explicar duas personalidades tão distintas e a ambas tenho profunda admiração. Dirão que é devido aos hemisférios antípodas de nascimento. Padre Mário, salesiano, constrói sua obra baseada na fé e é especialmente voltada ao jovens. O ateu Saramago, o mago das palavras, brilhantemente subverteu o evangelho para falar do bem e do mal que caminham juntos. Do escritor português pude um dia traçar um paralelo com o Dia do Químico, que coincide com seu falecimento (http://unespciencia.com.br/2017/10/01/ex-homenagem-90/). A colega Acadêmica Regina Rousseau já escreveu sobre o Padre Mário (http://unisal.br/hotsite/prasempre/padre-mario-bonatti-veste-as-sandalias-de-francisco/). A Academia Campineira de Letras e Artes também passou por aniversário no dia 11, completando 51 anos. Das datas pessoais, parte significativa dos familiares é de escorpião e pudemos comer um pedaço de bolo juntos no pré-feriado.

Aproximando-se o centenário da morte de Lima Barreto, a escrita mais picante dele continua oculta devido aos pseudônimos usados - e não revelados -, ao desgaste do tempo que leva junto a memória e a perdas de arquivos que até foram documentadas. Sua biblioteca de mais de mil volumes foi catalogada, comprada em liquidação depois da morte e praticamente nada restou daqueles papéis manuseados. Ele se escondia atrás de nome falso para se proteger e ter mais liberdade de dizer a sociedade da época (sim, posso escrever à sociedade, mas o sentido seria outro). Acabei por disfarçar a crítica pelo homônimo, mas o jornal não publica a frase completa e resta-me repeti-la ou aguardar a boa vontade do editor. Lima tinha semelhantes angústias, reveladas em diários e cartas sobre a recusa ou retardamento de publicações de seus textos.

Zezé Motta deu entrevista ao Roda Viva no feriado da República, fazendo parte das reflexões sobre o Dia da Consciência Negra. Senti falta de um maior dinamismo da múltipla artista da interpretação, da imagem, da voz e da vez. Sempre sorridente e simpática não deixou de estar acanhada em várias respostas. Talvez as perguntas fossem muito longas, já contendo a resposta esperada, como sói acontecer com entrevistadores que usam do momento para também aparecerem. Uma palavrinha dada pela apresentadora do programa me instigou em devaneios: Zezé Motta mora hoje no apartamento que já foi de Clarice Lispector. Pensei naquela reforminha com mudança de revestimentos que poderia revelar um bilhetinho sorrateiramente enfiado por entre vãos na parede pela icônica escritora. Dirão que no meio da necessária discussão sobre o racismo estrutural no Brasil, perdurando por séculos, quero brincar de arqueologia literária. Nos detalhes das ideias moram os artífices da construção do pensamento. Uma palavrinha inédita de Clarice nada mal faria à negri(a)titude de Zezé (http://adilson3paragrafos.blogspot.com/2019/11/consciencia.html)

Comentários

  1. Parabéns pela belíssima crônica.👏👏👏

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  2. Oi Adilson, parabéns!
    Muito bom falar sobre os escritores homenageados: José Saramago, Padre Mário, Lima Barreto.
    Já pensou se alguém encontra um recadinho da Clarice Lispector no ap de Zezé Motta?
    Abraços. Magda Helena

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  3. Parabéns, Adilson, pela sua capacidade de síntese literária e crítica expressa em uma de suas cônicas. Relendo o texto, me pus a pensar se a pouca desenvoltura de Zezé Motta não se daria à maneira superficial pela qual se aborda o racismo na sociedade brasileira atual. Às vezes, tenho a impressão que esse assunto é tratado por alguns grupos políticos, sociais e pela mídia, principalmente, muito mais como propaganda ideológica do que como um problema social a ser superado, então, utilizar o povo negro e sua luta seria uma maneira de gerar comoção social e, assim, exaltar os interesses desses próprios grupos sem um real compromisso com a causa. Afinal, a própria Zezé é uma atriz brilhante, mas ainda vemos os negros atuarem em papéis secundários nas novelas, que ainda são o maior produto dramatúrgico e cultural popular, mesmo com todo o discurso de respeito à diversidade racial defendido pelas emissoras de televisão. O que você acha?

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