Fortes mulheres

A foto postada no Facebook mostrava a mãe com suas quatro filhas. Por trás dos cinco pares de óculos, olhares serenos e faces tranquilas direcionadas a mim. A memória já vai longe para resgatar a jovem vida ao lado delas. Parte da família ainda mora na casa em frente à da minha mãe, isso já há mais de meio século. Com uma aprendi datilografia, vejam só! Usando minha Olivetti que tenho até hoje, já encostada dentro de um armário, resgatada apenas para matar a saudade e para provar que eu sabia acionar suas teclas e converter força mecânica em palavras. As experiências daquelas mulheres foram múltiplas e moldaram muito do que eu estabeleci como perdas, ganhos, vitórias e derrotas. Antes disso, na infância de que ainda me lembro, as brincadeiras de escolinha com as meninas me fizeram saber o alfabeto antes da escola formal. Aos seis anos e pouco quando adentrei o grupo escolar Felipe Cantúsio já tinha os rudimentos da escrita e da leitura, prazeres que nunca mais me abandonaram. Bem, confesso que a escrita nunca significou caligrafia, e há registros nos inúmeros cadernos que nem eu consigo decifrar. Autoencriptação.

Tais relembranças por meio de fotos de pessoas e fatos que passaram pela vida são importantes para nos situarmos no tempo, no espaço e na condição energético-material. Deve servir como terapia porque sempre corre uma lágrima de saudade e uma ponta de alívio nas angústias constantes. São poucos os benefícios das redes (anti)sociais, arena de batalhas ideológicas das mais sangrentas. Ali, com certa parcimônia, dá para encontrar personagens de nossas vidas passadas levando a resgates de memória e reconstruções. Nem sempre é ação benéfica, pois há sempre a frustração com um colega que se imbecializou e virou adepto das mentiras governamentais ou aquele que se converteu ao obscurantismo retrógrado. Não são poucos, pelo menos os que eu descobri, mas resta a satisfação de saber que todos seguiram suas jornadas. Sim, dou uma olhada especial na condição das mulheres de hoje que um dia foram garotas a alimentar fantasias juvenis. Olhar sem insistir, que fique claro, para não correr o risco de estar perseguindo - ou virar stalker, na linguagem colonizada de hoje.

Fortes ou fracas, as pessoas que deixaram marcas dentro de nós talvez tenham seguido outros rumos, decepcionantes em face daquela significativa influência passada. A sequência da existência pode ser linear, mas é perturbada por todos os lados. Da maternidade às professoras, no meu caso, o pulso feminino sempre despertou a atenção. Essa dinâmica é vida por essência, medida mais pelos registros afetivos do que pelas impressões materiais. A consciência torna-se, portanto, receptáculo do passado e, ao mesmo tempo, a razão pela seleção de fatos e desmemórias de alguns acontecimentos. Somos traídos por nós mesmos nessa passagem por álbuns de imagens. A física tem razão em determinar que o universo vai além da massa e da energia. Espaço e tempo são cruciais, ainda que não expliquemos de forma conjunta e simultânea essas quatro grandezas.

Comentários

  1. As suas considerações fizeram-me voltar no passado e deixaram-me um tanto nostálgica
    Como sempre, colocações muito apropriadas.
    Aparecida M. Kugelmeier

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  2. Nossas lembranças de infância, sempre trazendo saudades, principalmente de pessoas que nos incentivaram e foram marcantes em nossas vidas.
    Gratidão!
    Adilson, um grande abraço. Magda Helena

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  3. Todos temos grandes mulheres na nossa história pessoal. Seríamos melhores pessoas se as valorizássemos ainda mais - e o mundo seria melhor, se gerido por elas (gerado ele já é!).

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