Vivemos no passado

O início do século XX marcou a globalização de conflitos, como a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), e os impactos de uma pandemia, como foi a chamada gripe espanhola (1918-1920). Para o Brasil, o período foi ainda mais notório, pois coincidiu com os primórdios da República e as concomitantes frustrações com o novo regime e a política em curso. Além disso, alguns anos antes, passamos por uma Revolta da Vacina, uma situação muito semelhante à atual, apenas com sinal trocado: o governo federal querendo impor medidas sanitárias e a população não aceitando, devido, principalmente, ao desconhecimento e à forma autoritária da abordagem oficial. A leitura de jornais e revistas da época dá uma dimensão bem realista dos conflitos, dentro do que permitiu a censura, indo da discussão política à sátira da situação. Lima Barreto fez sua contribuição, especialmente em seu Diário Íntimo, contestando a ação repressora e punitiva do governo. Um exercício de cidadania, pois, mas que também cunhou parte de seus personagens e pseudônimos utilizados posteriormente em contos e crônicas.

O uso de outros nomes é corriqueiro na literatura. Às vezes era necessário se esconder como defesa à perseguição política; outras, como subterfúgio à vergonha de ter de escrever textos profanos culturalmente apenas para ser por eles remunerados. Há os que defendem que material escrito sob pseudônimo era uma forma de preencher espaço nos jornais e que não deveria ser considerado como produção intelectual. Se o autor relegou-o ao anonimato, assim deveria continuar quando da compilação de sua obra. Estudiosos modernos discordam e proliferam (re)descobertas de autorias, especialmente dos autores famosos, com a justificativa principal de melhor entender a construção de suas bases culturais e a formação da literatura. Creio que Machado de Assis é um dos mais notáveis e prolixos, pois assinou textos e artigos com dezenas de pseudônimos. Lima Barreto não fica atrás e continuo na minha empreitada de revelar alguns de seus textos. Nestes dias de maior tempo em casa, deparei-me com mais um provável pseudônimo dele por comparação de trechos de seu Diário Íntimo com publicações em O Riso, revista que circulou entre 1911 e 1912. Eis o passado que nos prende e que não se apreende tão facilmente! #IniCiencias

Comecei estes parágrafos no 13 de maio, aniversário de 139 anos de Lima Barreto. Inevitável a alusão ao dia da assinatura da Lei Áurea e aos significados que ela contém. A diáspora africana que trouxe milhões de pessoas para serem escravizadas em nosso país - e em toda a América - é marca indelével de nossa formação, tanto para o (pouco) bem, como para o (muito) mal. Após o quase extermínio das populações indígenas aqui existentes, essa é a maior de nossas mazelas históricas não resolvidas. Para nossa infelicidade, a história tem sido repetida à exaustão, com a impunidade dos ditadores militares sendo a mais recente e com consequências nefastas e explícitas nos dias correntes. Colocar o passado embaixo do tapete social nada resolve. Traumas não atacados não se solucionam.

Comentários

  1. Guardadas as proporções e circunstâncias, a história se repete. O Brasil ainda tem dívida com os negros e índios.E o obscurantismo continua reinando...

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  2. É uma das razões de eu não crer tanto nos livros de histórias, pois grande parte das histórias são contadas com muita hipocrisia, que é a realidade da sociedade desta amada pátria. Uma pena, pois assim não acontecesse teríamos um viver menos mentiroso, o que pouparia tanto sofrer para aqueles que desejam apensas viver!

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  3. É isso ai, Adilson, Paulo, Sotnas. E a cada ditadura militar os índios vão sendo dizimados, nesta agora, explícita e escancaradamente.

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