Memórias maduras

Ouvi a voz de Felipe Neto pela primeira vez. Sabia de sua existência, de seus vídeos e de sua mudança de posicionamento político, mas nunca havia lido nada de forma profunda sobre ele, apenas escutado superficialmente o que adolescentes comentam. Confesso que um pouco descrente, assisti ao Roda Viva desta semana por ser um programa que ainda permite alguma atividade jornalística séria, apesar das limitações de alguns dos entrevistadores. Depois de excelentes programas com Atila Iamarino e Sebastião Salgado, seguido de uma participação chocha de Dias Toffoli, ver o Felipe Neto foi mais pela curiosidade do que pela vontade. Mas gostei de conhecê-lo e saber de seus arrependimentos e entendimento do que está acontecendo no país. Entendo a importância dos chamados comunicadores digitais e ele procurou fazer uma distinção entre essa atividade e a futilidade de muitos dos que se dizem influenciadores. O amadurecimento faz com que revisemos nossas posições, o que tenho constantemente feito pela leitura de meus textos passados. Quando pertinente, corrijo, comunico novos entendimentos, peço desculpas ou mesmo reafirmo e complemento opiniões. Chamou-me a atenção que Felipe simplesmente apaga as postagens que fez quando mudou de opinião. Um exemplo do que já discuti aqui sobre o apagamento histórico, o desregistro da memória.

Das reminiscências do repórter da piauí Fernando de Barros e Silva resultou uma bela matéria sobre o desgoverno atual, com direito a citações de Crime e castigo, de Dostoiévski, em tradução direto do russo. Li há muito tempo uma tradução atribuída a Luiz Cláudio de Castro, que descubro ser indevida e originária do texto em francês. Houve quem investigasse a história da tradução de escritores russos no início do século passado e são muito interessantes os casos de plágio e até de furto. Sentado ao computador, com toda a internet à disposição, fiz minhas incursões para descobrir uma publicação em folhetim de Crime e castigo já em 1914, anterior às relatadas nas teses e publicações encontradas. O Diário de Pernambuco foi o veículo e que tinha o epíteto de "jornal mais antigo em circulação na América Latina". A primeira tradução de Crime e castigo diretamente do russo foi editada apenas em 2001. Literatura comparada e versões de traduções são campos vastos de estudo e as fontes originais são sempre as mais importantes para consulta, daí a importância de não se apagar a memória.

A ciência como prática do conhecimento tem sido vilipendiada de forma explícita. Os estudos sociais, que mesclam o tempo e o espaço, foram as vítimas primeiras. Por dever de consciência, tenho elaborado artigos para alertar sobre a inadequação do uso da cloroquina e denunciar o desgoverno que nos está levando a um genocídio histórico. Mas, como li em artigo de Paulo Roberto Pires na revista Quatro Cinco Um "A mentira acima de todos" (maio/2020), "o que é comprovável por razão, fatos ou ciência pode ser potencialmente falso quando se mostra inconveniente", especialmente para pessoas como as que estão nos governando de Brasília. Mesmo assim, sigamos. #IniCiencias

Comentários

  1. O país castigado pelo crime da demagogia, obscurantismo, pensamento mágico-eleitoreiro, populismo rasteiro. Crime e Castigo, em Roda de Morte. O blogueiro resiste.

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  2. Prezado Adilson, aproveitando essa quarentena gostaria de sugerir para você um artigo ( aproveitando a " deixa" do crime e castigo, e do artigo da Regina Duarte publicado hoje no Estadão ) sobre o assassinato dos dois salões Paulistas de Arte, o das Belas Artes e o de Arte Moderna. Titulo -" Quem matou o Salão Paulista de Belas Artes?"
    Geralmente falamos ou escrevemos dando opiniões sobre os fatos que tomamos conhecimento pela mídia, que na maioria das vezes ou quase sempre noticia o fato na sua versão.
    Eu o convido a assistir no Youtube ,canal Maria Gilka o vídeo" Café com artistas", um vídeo caseiro , mal filmado que mostra a verdade sobre o pensamento dos artistas plásticos. Infelizmente a maioria já falecidos, mas ainda estão vivos Gilberto Macrina, Esmeralda , Pety, e José Carlos Acerbe, presidente perpetuo da Associação Paulista de Belas Artes, na minha opinião um dos cúmplices desse crime .
    Um grande abraço Maria Gilka
    Um grande abraço Maria Gilka

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