Escola dez, nota dez!

A CartaCapital, edição especial de carnaval, dedicou o menor número de páginas de uma edição morna a cronistas de outrora. Pudemos nos deliciar com textos de Lima Barreto e Machado de Assis, retratando a atualidade daquelas reflexões. Machado cruza com Lima quando fala na crônica escolhida pela revista que ainda acreditava nos tesouros jesuítas escondidos sob o Morro do Castelo, objeto de uma reportagem que projetou Lima Barreto nas esferas jornalísticas. Vale a pena ler e reler esses clássicos. Foram exaustivas as comparações de nossa vida política com a euforia efêmera carnavalesca, tanto nas ruas como nas páginas impressas, cujo término da festa se dá nesta quarta-feira cinzenta e chuvosa. Hoje, portanto, recomeça o insano Brasil, com as já esperadas patacoadas governamentais e a confirmação do coronavírus em nosso país.

Pouco acompanhei os desfiles nas avenidas, mas fiquei atento aos enredos politizados e à recepção do público e dos críticos a tais concepções artísticas engajadas. Com muita alegria vi o resultado da apuração das notas atribuídas às Escolas de Samba da capital paulista, com a Águia de Ouro conquistando o título pela primeira vez. O enredo não poderia ser melhor, um recado aos partícipes da ignorância no poder. A escola trouxe o saber e o conhecimento para a avenida e fez homenagem a Paulo Freire, um tapa na cara do assim chamado ministro da educação e de seus asseclas.

As notas atribuídas são sempre muito próximas, daí que a expressão "dez, nota dez" conota tal pronunciamento em tom solene, mas que pouco se diferencia. Entendo que para se chegar ao nível técnico e artístico de uma apresentação são necessários muito empenho e conhecimento. A diferenciação na avaliação acaba sendo por pequenos detalhes, semelhantes à que ocorre quando participo de bancas de concursos públicos ou de teses e dissertações. O candidato ao chegar até ali carrega um grande conjunto de experimentos, leitura, prática científica, tecnológica, didática e de saber. Avaliá-lo de forma comparativa, ainda que mereça um dez, pode não ser justo, mas, se há apenas uma vaga, é o detalhe que determinará sua ocupação. O sorteio seria outra forma menos arriscada, mas pouco usual nos meios acadêmicos e científicos. Vê-se que no meio artístico também, ainda mais quando a Escola retratada na avenida, mesmo que por uma Escola de Samba nota dez, esteja muito longe da excelência.

Comentários

  1. Ler os clássicos é sempre saudável. E tem a vantagem de prescindir de notas e classificação. Sempre achei impróprio dar notas e (des)classificar obras de arte. Qual do 3 belos parágrafos acima é o melhor?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Grato, Paulo, mais uma vez pelo rico comentário, o estímulo para continuar as postagens. Às vezes acerto, outras vezes irrito. Como já lhe disse, é-me difícil responder a todos. Abraços.

      Excluir
  2. Ha alguns anos me desliguei de carnavais.Takvez por não participar mais da
    folia, talvez pela inveja do fôlego dos mais jovens, talvez por achar que o nosso país está vivendo um carnaval político.Muitos talvez para poucos dias.Mas não posso deixar de admirar a beleza das escolas e das carnavalescas.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Meu desligamento foi em parte porque o som, como o de qualquer espetáculo no Brasil, é amplificado e ensurdecedor em sentido literal, tirando capacidade auditiva das pessoas, como já aconteceu comigo. A idade também pesa, capacidade física de suportar chuva e umidade, e a perda da tradicionalidade por boa parte da juventude, com músicas puxando a funk. Mas tive um compensação neste, vendo uma boa quantidade de jovens, sadiamente fantasiados, sem abusar da cerveja, até cantando as marchinhas tradicionais. Acho que depende do bloco. Uma das minhas carências é nunca ter ido ao do Rio, com os protetores auditivos de maior atenuação. E foi devido a que minha esposa não curte Carnaval. Admiro os desfiles, mas não tive tempo de assistir, me vale a crônica do Adilson. Lembro daquele magnífico desfile com o Cristo coberto com plástico preto, do Joazinho Trinta, vencedor.

      Excluir
  3. Está certíssimo Adilson, os candidatos não sabem como doe aos membros da banca honestos terem de decidir por um ou outro, mas é o mesmo ao dar notas nas disciplinas. Como físico experimental, tenho uma solução, que é dar a margem de erro da avaliação. E, dentro dessa margem, os que coincidem, decidir por sorteio. Mantenhamos as propostas, mesmo que pareçam irreais, com o tempo pode que sejam acolhidas, e tempo depois, desvirtuadas, pois é assim a história da umanidade (h).

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Façamos o melhor, Lunazzi, na divulgação de ideias, de conhecimento e da ciência. E devo escrever outro artigo para o Correio Popular. Abraços.

      Excluir
  4. Muito bom seu texto Adilson. Sinceramente, parabéns! Adorei!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado pelas considerações, Eliana. Seja bem-vinda aos comentários do blog. Abraços.

      Excluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Letras que dizem

Finalizando

Pedaços quebrados