Vertigo

Muito contente com a indicação de "Democracia em Vertigem" para o Oscar de melhor documentário. O filme não é ficção, nem um possível prêmio para o PT ou para Eduardo Cunha, como opinaram articulistas e governistas ao longo da semana em redes sociais e na mídia impressa. É, sim, um alívio para o Brasil poder mostrar ao mundo e aos próprios brasileiros parte de sua história recente. Um documentário se propõe a fazer um recorte, baseando-se em documentos, imagens e depoimentos. O interesse para a obra lançada na metade do ano passado aumentou com a indicação, como também o discurso de ódio dos contrários às verdades ali contidas. Será muito difícil que ganhe o Oscar em função do peso e propaganda dos demais concorrentes - o documentário "American Factory", por exemplo, está sendo patrocinado por Michelle e Barack Obama -,  mas somente a indicação já é grande mérito. Aqui nos acostumamos a valorizar apenas o campeão, mas estar entre os finalistas coloca Petra Costa ombreando com Fernanda Montenegro, Walter Salles, Bruno e Fábio Barreto.

O título do clássico de Hitchcock "Vertigo" foi traduzido como "Um corpo que cai" aqui no Brasil, com variação para "A mulher que viveu duas vezes", em Portugal. Em trabalhos científicos e obras literárias sabemos que o título é a última elaboração, o último esforço cerebral para dar um rótulo digno e chamativo ao conteúdo que fora elaborado. Por vezes, o título pode aparecer primeiro, por sugestão ou inspiração, e pomo-nos a elaborar algo que a ele diz respeito. A tradução ou versão de títulos de obras estrangeiras sempre foi assunto polêmico. Alguns são dignos de nota e criatividade, outros, lamentáveis. A ideia de vertigem que assombra o protagonista vivido por James Stewart é deixada de lado, enfatizando o ato da queda da personagem vivida por Kim Novak. O filme é baseado no livro "D'entre les morts" (Dentre os Mortos), escrito pela dupla Pierre Boileau e Pierre Ayraud. Voltando ao nosso documentário, seu nome em inglês é "The edge of democracy", significando a borda ou a margem da democracia, o que também tira um pouco da dinâmica trazida pelo título em português.

Cinema é imagem e ilusão. Os prêmios que estão em disputa agora - como em todo início de ano - são parte de uma estratégia de valorização e venda de uma indústria bilionária, capitalismo de raiz, sendo risíveis os comentários dos que atribuem caráter "comunista" às escolhas e indicações. Algumas verdades causam vertigens nos que querem acreditar em outra realidade e não aceitam as dinâmicas de nossa existência. Muitos filmes bons são produzidos e neglicenciados, não necessariamente premiados. O cinema hoje vive um dilema entre a visualização em salas amplas e os fornecedores/produtores em streaming (Netflix, por exemplo), que permitem assistir aos filmes em casa, semelhante à disputa que houve quando do surgimento do cinema falado. Um bom filme que trata de forma irônica dessa fase é "Cantando na chuva". Os defensores do cinema mudo diziam que cinema seria apenas imagem e um ator falando seria uma catástrofe. Hoje o som é indispensável nos filmes, o que não impediu de "O artista", filme mudo de Michel Hazanavicius, ganhar o Oscar de 2012.

Comentários

  1. Manda a largueza de espírito que vejamos Democracia em Vertigem os adeptos e os contrários ao seu viés. O filme é de esquerda, e não há por que fugirem dele os não-esquerdistas. Antes de político, é um documentário. Vejamos se cumpre a sua finalidade maior de documentar, com arte, honestidade e veracidade. É o que importa. O resto é querela boba.

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