Escritos de liberdade

Paulo Viana me inquiriu sobre o recente livro de Chico Buarque de Hollanda, "Essa gente". Terminei a leitura semana passada, que foi rápida, mas não indolor. Sem ler resenhas ou outras análises, a primeira impressão são muitas pontas deixadas soltas como estilo da escrita. Senti algo semelhante na leitura de "A glória e seu cortejo de horrores", da Fernanda Torres, ainda que falta uma parte para concluir. "Essa gente" é um protesto evidente ao momento político pelo qual o país está passando na forma de relatos diários, alguns oníricos, outros desconexos. Mas não sou adepto profundo da obra literária do Chico Buarque, preferindo sua música, impecável, por sinal. Li "Fazenda modelo", muito tempo atrás, com a decepção de ser apenas uma adaptação evidente de "A revolução dos bichos", quase que trocando porcos por bois. Mas "Budapeste" é muito melhor, pois é focado em um tema inusitado, muito bem desenvolvido. O ghost-writer, vira tradutor forçado de húngaro que não sabia o idioma e passa a corrigir até a linguagem dos nativos, dentre outras aventuras. De pronto me lembrou uma professora norte-americana, química radicada há décadas no Brasil, que tinha dificuldades com o português falado, mas era exímia na correção dos manuscritos e relatórios em nossa língua.

Busco a escrita de um romance autoral. Um rascunho repousa em disquetes, apenas para dar uma dimensão do tempo dessa busca. Descobri e já revelei alhures que tenho pouca paciência para a escrita de enredos longos, cultuando especialmente a poesia e alguns contos. O derradeiro ponto final acontece muito rapidamente. Sim, possuo um livro de contos inédito que já foi submetido a concurso, mas preterido em função de outros melhores, bem melhores. Insisto. Quem sabe um dos contos chame a atenção e os outros embarquem numa publicação conjunta. Mas a dedicação a um romance longo esbarra nos pontos acima: ou encontrar uma forma totalmente distinta de juntar os textos, como Fernanda Torres e Chico Buarque fizeram, mas que não seja de forma artificial, ou encontrar nas vivências próprias ou emprestadas uma estória digna de elaboração de personagens robustos e de natureza frágil para que possam contar coisas interessantes. Tirando o rascunho, as outras tentativas resultaram apenas nos contos. As crônicas ou mesmo os textos de opinião são mais fáceis, vinculados à realidade que são. Uma segunda juntada de artigos está a caminho, nos passos de "Transformações na terra das goiabeiras" que completa seu terceiro aniversário. #IniCiencias

A liberdade é algo que se conquista e não se ganha ou se encontra em praças e jardins. Uma palavra importante que descobri ter usado apenas um única vez neste blog, desde a nova fase de maio de 2018, e outras duas vezes, na fase anterior de um ano antes. Liberdade de escrita e de pensamento é a principal defesa, especialmente com revelações sombrias de naturezas nefastas e fascistas, antes escondidas e adormecidas. Os livros vão se constituindo patrimônio da existência - e da resistência - e a chegada de mais um trabalho de e sobre Euclydes da Cunha me motiva para entender melhor o que é este nosso complicado país. "À margem da história" ganhou, no ano passado, edição revista pelo meu amigo Felipe Rissato junto com os professores Leopoldo Bernucci e Francisco Hardman. Folheio as páginas para os devidos cotejos com as edições que possuo e os erros que se propagaram ao longo do tempo. De pronto já localizei no livro novo um ponto trocado por vírgula em um número que dá entendimento diferente do que Euclydes escreveu. Lá vou eu novamente, com muita liberdade, redigir um ensaio sobre a questão.

Comentários

  1. Tive a mesma sensação ao ler "Essa gente": não é fácil fazer alta literatura sobre o homem banal. O mesmo vale para os outros livros do Chico. Não é mau, mas acho que o blogueiro dos 3 parágrafos pode produzir melhor literatura. O importante é apurar sempre, amorosamente, o uso do idioma.

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