Leituras incorporadas

Em entrevista recente sobre pretensões de ocupar uma distinção cultural, fui perguntado sobre minha formação literária. Após uma insignificante e imperceptível pausa, pareceu-me que Machado de Assis, Monteiro Lobato e José Saramago já estavam presentes em mim desde sempre. É necessário refletir que tal incorporação se deu em algum momento, fruto do tempo dedicado à leitura de suas obras. Da mesma forma que todos os livros da coleção Vaga-Lume e os de ficção científica de Asimov, Arthur C. Clarke e a série do personagem Perry Rhodan. Ler e assistir a obras de mistério sempre remetem ao Sherlock Holmes de Conan Doyle e aos detetives de Agatha Christie. Na entrevista não revelei todos esses nomes, que me fugiram, como se quisessem me convencer de que nasci com eles.

Refletindo um pouco mais, o quase meio século de letramento revela memórias doces e ímpares. Clarice Lispector para mim foi sempre mais cronista do que romancista na surpresa da composição das palavras. Li-a de todas as formas, porém, não desprezei seus romances. Os Veríssimos, pai e filho, pipocaram aqui e ali em algum momento. A poesia foi-me sendo construída aos poucos, a leitura de Pessoa e Carlos Drummond de Andrade em primeiro lugar e de Paulo Leminski mais recentemente. Decorar os primeiros versos de Os Lusíadas apenas serviram como exercício e para roubar o "engenho e arte", título de meu projeto de elaboração de textos não científicos por estudantes de engenharia. Os primeiros autores citados naquela entrevista, entretanto, foram Euclydes da Cunha e Lima Barreto, objetos de leituras e estudos meus, pretensamente descobridor de inéditos deste e estabelecimento de textos literários e da poesia daquele.

Há uma literatura juvenil atual interessante e importante, dominada por personagens mais próximos à realidade dos que nasceram neste milênio, com dualidades antes pouco exploradas. São estórias publicadas na forma de intermináveis séries, cujos catataus de centenas de páginas não afugentam os leitores. Isso é muito bom. Quiçá tenham eles na formação literária, daqui a alguns anos, a mesma sensação de plenitude e de pertença que me preenche. Ainda mais em tempos de elegia à ignorância, a qual, sempre, é melhor combatida com um bom Machado.

Comentários

  1. Parece que seguimos os mesmos passos na Literatura.Dizem que escrevo com Clarice. Não concordo escrevo como eu mesma, e já me chamaram de Rubem Braga de saias.O que acontece é que todo escritor principalmente o intimita, tem uma essencia especial, está em quem não se dedica às letras.

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  2. Não basta portanto ser alfabetizado. É preciso mergulhar no universo imenso dos bons autores. Há ali um perfume, um sabor, uma atmosfera que não se explica, sente-se. É uma pena que esse teor de leitura esteja rareando entre os jovens...

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