Bate com força que sai

A sonoridade do bater nas teclas do computador alimenta a criatividade. Isso era tomado por mim como lenda psicológica até iniciar minha escrita, algumas décadas atrás. O advento dos computadores trouxe a extinção - ou quase - das máquinas de escrever, sejam mecânicas ou as avançadas elétricas, com margaridas móveis que possibilitavam usar letras de vários tipos. O tempo foi passando e um software foi desenvolvido que emulava o som das duras teclas ao se usar o suave teclado do computador. Há um filme memorável de Jerry Lewis - Errado pra cachorro, de 1963 - no qual há uma cena em que a trilha sonora é desenvolvida sobre o trabalho dele imitando um datilógrafo, claro com um enredo cômico como é típico das obras daquele ator que usa a mímica como expressão. A profundidade do bater nas teclas reflete a disposição e o sentimento da escrita. Assim o personagem William Forrester, interpretado por Sir Sean Connery ensinava ao jovem Jamal, argumentando que, sem ouvir o barulho, parecia que nada estava sendo produzido. Hoje minha força no teclado é resultado das malditas letras 'e' e 'o' que emperram!

Creio que por fluxos análogos se dá a produção de um artista plástico, um pintor, um dançarino e em outras manifestações, nas quais limito-me à resignação da admiração. Escrever é algo tão automático que castigar as teclas, como se dizia, vem na mesma velocidade em que surgem o pensamento e as imagens poéticas, verbais ou de construção de argumentos. Há tempos sei que digitar é muito mais rápido do que escrever com lápis e caneta. Mantenho todos esses instrumentos por hábito, mas que é difícil encher linhas pautadas de meu diário de capa preta, isso confesso que é. As 200 folhas deveriam estar preenchidas pelo menos até seus três quartos neste início de ano, e nem um quarto contém escrita. A promessa ali foi a do registro do inusitado, não o simples passar do tempo, esse inexorável componente de nossas vidas. Sobra vontade, apenas.

Recebo a informação de que o Correio Popular, único jornal diário comercial de Campinas, pode ser fechado ou sofrer profunda reestruturação devido às finanças e também ao envolvimento de seu diretor com falcatruas políticas relacionadas à área de saúde da Prefeitura Municipal. No passado, a empresa que administra o jornal comprou o Diário do Povo, o outro ícone da cidade, e resolveu liquidá-lo. Sobreviveu por um curto tempo no formato digital e hoje faz parte da história jornalística. Visão tacanha pessoal, a meu ver. Por outro lado, recebi meu certificado de conclusão da especialização em Jornalismo Científico com satisfação, apesar dos sobressaltos que a produção da boa notícia está passando há tempos. Os colegas estão mostrando seus "diplomas" nas redes sociais, orgulhosos da conquista. Não o farei, mas deixo claro que foi obtido numa das melhores universidades do mundo, a Unicamp, e não se trata de um título espiritual. #IniCiencias

Comentários

  1. Assunto por se desenvolver: a influência do hábito da escrita sobre a saúde mental. Fala-se muito da leitura, pouco da escrita. Ultimamente, tem surgido o tema da utilidade dos diários escritos, pessoais. Escrever ajuda a organizar o pensamento? Influirá na nossa visão do mundo? Nos nossos relacionamentos? Há quanto tempo já não se manda uma carta escrita em papel, à mão, para um amigo? Fará falta, em tempos de WhatsApp?

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  2. É triste em uma cidade com mais de um milhão de habitantes ter um só jornal que, sem concorrência alguma, ameaça fechar suas portas por, não tenho outra palavra, INCOMPETÊNCIA. A cada dia fica mais magro e multiplicam-se os erros de gramática em suas matérias.

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