Então ainda não é Natal

Ainda não é Natal, mas quase. Revisões, balanços e retrospectivas já eram comuns no jornal, na televisão, nas nossas vidas, e, agora, invadem as redes sociais e toda e qualquer mídia que se apresenta. As telas nos transportam para um mundo que parece não existir de verdade e que nos surpreende a cada clicada. Daqui a dez dias, tudo será diferente, pois nos banharemos nas águas da folhinha nova, em restauro de mentes, corações e intenções (precisaria levantar uma plaquinha de sarcasmo nesta hora...). A contagem do tempo, junto com o seu passar marcado pelos astros, era para ser algo natural, benéfico, prazeroso, não para impor uma característica pouco festiva que nos atormenta e consome as energias: o prazo. O tempo é misericordioso e o prazo é implacável. Aquele, tempera nosso saber, este ignora nosso sabor. Não é Natal, ainda, mas as ruas dizem que o fim está próximo, como se o período concomitante ao infanticídio promovido por Herodes tivesse sido substituído pelo Armagedon apocalíptico. O mundo não acabará, eis a verdade.

Não acaba a existência do universo, mas a casa tem caído para muita gente, especialmente os que até outro dia defendiam sua religiosidade acima de qualquer suspeita. Com as apreensões de nossa incansável polícia federal - ao menos quando atua de forma independente, e não à mercê de um certo mandatário -, muitas pequenas e grandes fortunas têm alcançado projeção televisiva mundial. Uma imagem de corrupção vale por mil pratas, ou melhor, palavras. Isso me preocupa. Quer dizer que não posso manter meus 400 mil reais em casa? Mesmo por esquecimento, quase beirando o Alzheimer general? Isso é injusto. Onde vou guardar os trocados para dar de bom princípio de ano novo? A tradição já é pouco frequente, mas nos meus tempos de criança era uma alegria sair pedindo moedas pela rua para rechear antigos porquinhos de louça, disfarçados de cofrinhos. O erro foi não declarar para a receita, talvez esteja aí a fonte do acúmulo para chegar àqueles montes de cédulas de garoupas azuis, ficando bem claro que não foram encontrados lobos guará, nem onças, nem porquinhos.

As campanhas de solidariedade se intensificam nessa época, mas ainda é muito mais importante o que fazemos entre o Ano Novo e o Natal, e não somente entre Natal e Ano Novo. O comércio conseguiu ganhar alguns trocados comigo com os presentes de amigo secreto familiares. Economia e alegria é a fórmula encontrada para não ter de presentear tudo a todos. Espero que as Havaianas que eu pedi - e desejo muito ganhar - não aumentem de preço por conta da propaganda gratuita que estão fazendo. Os pés são dois para a maioria dos seres humanos, mesmo os que se comportam como quadrúpedes, e são com eles que empreendemos qualquer jornada. O início pode ser com o esquerdo ou com o direito, tanto faz. O importante é saber o que a história e o conhecimento nos ensinam acerca das posições a serem tomadas, especialmente quando se tem a consciência de classe e a que grupos realmente pertencemos e aos quais nos impõem que sirvamos. E, nas festas, manter a reunião com os comensais, pois de comida é que se trata. Gordos pensam com a pança, esquecendo a balança e gente é ainda o melhor presente.

Comentários

  1. "Gente ainda é o melhor presente. " Disse tudo .

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  2. Oi Adilson, uma crônica digna de um epílogo de era, caso se possa considerar o final dessa malfadada novela política que o País atônito vivenciou. Oxalá seja assim e a gente possa ingressar em nova era com mais inteligência e menos separatismo, com mais fraternidade e menos ódios. P.S. Ri muito com as ironias.

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