Perder e aprender

Repetir que dezembro é para mim o pior dos meses perde parte do significado em ano tão díspar. Foram muitos dezembros acumulados em nove meses. Um ano perdido que adentra seu final com alguma luz na forma de vacinas contra a covid-19 sendo aplicadas em outros países, luz que se mostra difusa em solo nacional a vingar a disputa política que se estabeleceu. Reis nus e de vestes expostas em palácios se digladiam para saber quem mais mata. A prática ali e aqui, já sabemos, é da tríade mata, desmata, mamata. Sigo com a segurança da ciência: pelo menos quatro vacinas superando os testes finais e com aval para imunização em massa. Mas não nos iludamos, pois é certo que haverá um tipo de selo de proteção a quem seguiu as normas sanitárias contra o coronavírus, abrindo mão de segurança econômica para tanto. Estaremos fora. E também normas rígidas para permitir a entrada de estrangeiros vacinados em países que estiverem com a pandemia sob controle. Também estaremos fora. A crença sai da religião e invade o governo, governo negacionista que abandonou a ciência. A ciência é quem dá as respostas para a solução dos problemas, mas falta-lhe reconhecimento e dinheiro. Fechando o ciclo, e não é que o vil metal alimenta a religião? #IniCiencias

Aliviando parte da tensão, de hoje para amanhã estaremos lembrando Clarice Lispector, outra escritora centenária na essência e na ausência, cuja morte se deu um dia antes de completar 57 anos - poucos a mais do que tenho hoje. Completei a aquisição do conjunto de sua obra com as cartas que escreveu. Os livros com todos os contos e todas crônicas já se misturam às anotações, revistas e àquela confusão que é minha mesa de tralhas&atrasos. A ilusão de que dali algum material interessante saia é o que me move e motiva nessa jornada literária. A Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) e a Bienal do Livro de São Paulo foram realizadas virtualmente, com acesso on-line a palestras, discussões, debates. Reflexo do ano pandêmico, mas com possibilidades inéditas. Pela primeira vez participei da Flip (!!), com direito a formular pergunta a uma das palestrantes sobre o olhar indígena na política e na sociedade, vê-la escolhida e respondida. A ininterrupta necessidade da sobrevivência faz-nos transformar duras perdas em algum aprendizado, portanto.

A Nina morreu. Foram quase 12 anos desde que adotamos essa agradável, simpática, alvinegra e multirracial cachorra em Lorena. Talvez já tivesse entre dois e quatro anos ao ser resgatada pela Jussara, técnica do laboratório, na antiga Faenquil, onde a Nina se refugiou após ser abandonada. Morou conosco esse tempo, convivendo muito bem com os outros animais da casa, de duas e de quatro patas. Acompanhou o crescimento das meninas, foi sempre companheira e tinha um forte lado carente. A idade chegou junto com o "au-zheimer". Esquecer de comer, jamais, mas não lembrar que havia recebido uma refeição e pedir logo por outra, isso passou a ser a rotina. Após uma necessária cirurgia invasiva, tivemos de lhe abreviar o sofrimento; foi-se de forma tranquila e indolor.

Comentários

  1. Muito bom. Nos fala mais por favor do olhar indígena, o tema é para mim preocupante pela forte religiosidade que envolve. P.S.: Só quem perdeu uma cachorra sabe quanto doe, mais ainda quando teve de dar o tiro de graça. E estou falando literalmente. Também vulgarmente, mas aí a história é outra, sem tiro de graça.

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  2. O sofrimento do cão amado de fato dói. Minha solidariedade ao blogueiro. Mas duro mesmo é encarar as vestes do presidente e esposa em exposição.

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  3. Estamos vivendo num país surreal. Ou melhor, nós o povo, vivemos no país real, com covid, inflação, desemprego, corrupção. O governo vive em outro Brasil, pois só vai comprar tal vacina “se houver demanda”, como se os muitos que já morreram não tivessem sido demanda suficiente. Um país onde a economia vai tão bem, que pode se dar ao luxo de zerar imposto sobre armas importadas, aliás, artigo de primeira necessidade. Enquanto isso, vamos apreciar as vestes reais...

    Parabéns pelo texto!

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  4. Parabéns. Texto conciso, mas verdadeiro. O ano 2020, além de trágico, escancarou as desigualdades em todas as Esferas e a incompetência política nos diferentes Poderes.

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  5. Parabéns. Texto conciso, mas verdadeiro. O ano 2020, além de trágico, escancarou as desigualdades em todas as Esferas e a incompetência política nos diferentes Poderes.

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